JUDICIÁRIO NO MUNDO DIGITAL: ENTRE A DEMOCRATIZAÇÃO E AS DISCRIMINAÇÕES

Por André Augusto Salvador Bezerra, CoLab/USP

Artigo originalmente publicado na edição 277 da Revista Justiça e Cidadania sob o título Acesso à Justiça requer novas tecnologias (sem novas desigualdades).

Nas últimas décadas, a necessidade da elevação do acesso à justiça à condição de direito autônomo foi tema colocado na ordem do dia nos debates públicos. O instituto da inafastabilidade da jurisdição, definido no artigo 5º, XXXV, da vigente Constituição, é produto de tais discussões.

Sob uma análise superficial, mencionado instituto teria assegurado universalmente a mera igualdade formal para o acesso à justiça.  Haveria, então, a garantia no sentido de que, a qualquer pessoa, estaria igualitariamente aberta a porta do Judiciário, como se não existissem situações de desvantagens sobre certos grupos ou indivíduos no plano fático.

Não é assim, contudo, que a literatura acerca do acesso à justiça tem tratado o tema. A busca por uma possível igualdade material já se fazia presente no final século passado, na obra de autores como Cappelletti e Garth, que apontavam a importância da assistência jurídica às pessoas mais pobres (I). Nos últimos anos, ao recorte da classe social, se somaram outros recortes baseados em situações de desvantagem decorrentes de gênero e raça, tal como o faz Rebecca L. Sandefur (II).

Há, contudo, quem centre suas análises, não em situações de desigualdades em si consideradas, mas na observância judicial de certos princípios que também podem auxiliar na democratização do acesso à justiça. É o caso de Elena e Mercado, para quem o direito em questão requer um Judiciário aberto à prestação de contas, à participação social, à transparência e ao uso de novas tecnologias (III).

No atual processo de ampliação da informatização dos tribunais, a abertura a inovações tecnológicas, especificamente, vem recebendo notável atenção da academia e dos operadores do Direito. Em tais termos, tem-se debatido em que medida uma atividade judicial mais informatizada influi na busca pela igualdade material do acesso à justiça. O fenômeno reduz ou amplia as desvantagens de certas pessoas ou grupos?

Neste artigo, apontam-se possíveis virtudes e problemas, para o ingresso equânime ao Poder Judiciário, que podem advir a partir das inovações tecnológicas. Não há, aqui, a intenção de fornecer respostas profundas ou definitivas a uma questão tão complexa. O que se quer é mencionar certos aspectos relevantes do problema, a fim de que possam fornecer alguma luz nas discussões realizadas.  

Acesso à justiça por novas tecnologias

Inicia-se o texto lembrando que a relação entre o uso de novas tecnologias pelo Poder Judiciário e acesso à justiça foi claramente manifestada sob o advento da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), a partir do ano de 2020.

O fechamento das portas dos prédios que sediam os fóruns de todo o país, decorrentes das medidas de isolamento tidas como necessárias para o maior controle da transmissão viral, não representou o fechamento das portas do Poder Judiciário. O processo eletrônico, regulado pela Lei 11.419 de 19 de dezembro de 2006, somado à adesão dos tribunais a aplicativos para realização de audiências e reuniões remotas, possibilitaram que 25,8 milhões de processos fossem ajuizados e que 27,9 milhões de casos fossem baixados no mesmo ano, conforme revelado pelo Relatório Justiça em Números de 2021, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) (IV).

Reduzidos os níveis de contágio, as tecnologias utilizadas durante o período de isolamento não foram abandonadas. O retorno ao trabalho prevalentemente presencial não tem impedido que os próprios advogados das partes requeiram a realização de audiências e de despachos virtuais, de modo a reduzir custos com deslocamento e, portanto, a beneficiar as pessoas ou grupos dotados de menor poder aquisitivo.

Para além da melhoria da situação para os mais pobres, há também a redução dos custos para o Estado, possibilitando-o a realização do serviço judicial mais eficiente (art. 37, caput da Constituição). Nesse sentido, foi simbólica a situação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) nos meses iniciais da pandemia do novo coronavírus e da consequente ampliação do trabalho remoto: houve redução de aproximadamente 815 mil reais em relação ao mesmo período do ano anterior (2019), geradas pelo menor consumo de água, papel, combustível e energia elétrica (V).

Mas não é apenas pelo trabalho remoto que as novas tecnologias podem facilitar a efetivação do princípio do acesso à justiça. Há outras potencialidades.

Veja-se o caso da utilização da Inteligência Artificial (IA). A ampliação da informatização do Judiciário fomenta a coleta de dados decisórios por sistemas algorítmicos, via aplicação da chamada machine learning.  Esta permite que as máquinas aprendam com os dados coletados (no caso, decisões judiciais), indicando aos juízes possibilidades de deliberações.  

É intuitivo o potencial de tal função na agilização dos processos.  Em um país como o Brasil, em que há mais de 70 milhões de relações processuais em tramitação (VI), não se trata de circunstância irrelevante, na medida em que assegura reparações judiciais de direitos mais próximas da eficácia pretendida por quem sofre uma violação.

Problemas com novas tecnologias 

Tudo o que se mencionou, porém, não torna desnecessário que o debate alcance alguns dos potenciais efeitos nocivos no uso de novas tecnologias.  Novamente, o advento da IA é exemplar.

Como se viu, a indicação de possibilidades decisórias aos juízes, proporcionada pela machine learning, tem por base a coleta de dados pretéritos. Ora, se no passado, o sistema judicial foi levado a proferir decisões que, ainda que involuntariamente, legitimaram discriminações ocorrentes no plano fático, como, então, fazer a IA auxiliar na superação do problema?

Lembra-se da questão penitenciária. A segunda década deste século XXI encerrou-se com o Brasil ocupando a posição de terceira maior população carcerária do mundo, tendo mais de 66% dos presos formados por pessoas negras (pretas e pardas), situação que, em período de 15 anos mensurados, ampliou-se em 14%, contrapondo-se à redução de 19% da população aprisionada branca (VII).

Trata-se, como se vê, de sintoma do racismo estrutural que persiste no país (VIII). Essa é a situação presente e passada das penitenciárias brasileiras. Se o machine learning indica possibilidades decisórias a partir de dados pretéritos, significa dizer que a população negra continuará em desvantagem na justiça criminal?

Há ainda de se ter em mente outros problemas que não se limitam ao aspecto penitenciário, como a questão dos estereótipos, entendidos como falsas generalizações manifestadas nos mais diversos discursos em sociedade, sobre grupos minoritários como indígenas, negros e mulheres, os quais legitimam a manutenção de sua marginalização (IX). Se tais estereótipos se fazem presentes em decisões judiciais (X), os dados colhidos pelos sistemas algorítmicos e que indicarão possibilidades de atos decisórios futuros, inevitavelmente, farão repetir as mesmas generalizações?

O potencial uso discriminatório da IA é aqui primordialmente citado pela atualidade do debate (XI).  Mas há outras possibilidades lesivas no uso de novas tecnologias, decorrentes de múltiplos fatores cuja complexidade exige análise detida, como, por exemplo, as dificuldades de acesso à internet ainda enfrentadas por cerca de 30 milhões de pessoas no Brasil (XII) e que, portanto, não podem fazer uso de aplicativos utilizados pelos tribunais para audiências e despachos remotos, em completa desvantagem perante outros litigantes dotados de tais possibilidades.

Observações finais

Como toda ferramenta empregada a serviço de um bem maior, é preciso que não se deixe de questionar: para que as novas tecnologias serão empregadas?

No Brasil, onde a realidade da vida de desigualdades tanto difere da realidade das normas constitucionais que prometem o acesso igualitário à justiça, o questionamento acima colocado ganha importância primordial. Será que as inovações consistirão em nova forma de privilegiar aqueles que, por razões de classe, gênero e/ou raça, já ostentam vantagens a seu favor no campo processual? Ou o seu uso poderá reduzir essas desigualdades?

O desenvolvimento tecnológico sempre traz, consigo, céticos e entusiastas. Tal situação se repete quando se discutem novas tecnologias aplicadas ao sistema judicial. Mas qualquer que seja a posição que se adote, é imprescindível que nunca se perca de vista esses questionamentos, pois, afinal de contas, a redução das desigualdades é da essência do acesso à justiça.

I – CAPPELLETTI, Mauro; BRYANT, Garth. Acesso à justiça. Porto. Alegre, Fabris, 1988.

II – Access to Civil Justice and Race, Class, and Gender Inequality (Annual Review of Sociology Book 34). Kindle Edition.

 III – ELENA, Sandra. MERCADO, Gabriel. Justicia aberta: uma aproximación teórica. In: ELENA, Sandra (coord). Justicia aberta: aportes para uma agenda em construcción. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Ediciones SAIJ, 2018, p. 17-41.

IV – Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/09/relatorio-justica-em-numeros2021-12.pdf

 V – Dados relatados em matéria disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/STJ-tem-reducao-de-gastos-com-trabalho-remoto.aspx

 VI – Segundo Relatório Justiça em Números de 2022 do CNJ: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/09/justica-em-numeros-2022-1.pdf

 VII – FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo, 2020. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/anuario-brasileiro-seguranca-publica/.

VIII – ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Editora Jandaíra, 2020.

IX – MOREIRA, Adilson. Racismo recreativo. São Paulo: Sueli Carneiro; Editora Jandaíra, 2020, p. 59.

X – Em pesquisa acadêmica, este autor observou a presença de estereótipos incidentes contra povos indígenas em decisões judiciais: BEZERRA, André Augusto Salvador. Povos indígenas e direitos humanos: direito à multiplicidade ontológica na resistência Tupinambá. São Paulo: Editora Giostri, 2019.

 XI – “O risco de enviesamento cognitivo no uso de algoritmos é de conhecimento geral e perpassa toda a história da implementação das tecnologias a de inteligência artificial […]” (SERBETO DE FREITAS, Tiago Alves. O Uso da inteligência artificial em processos judiciais no Brasil; limites éticos. Dissertação de Mestrado, PUC/SP, 2022, p. 140).

XII – A respeito: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2022/03/21/mais-de-33-milhoes-de-brasileiros-nao-tem-acesso-a-internet-diz-pesquisa.ghtml

André Augusto Salvador Bezerra é Juiz de Direito do TJSP / Professor do Mestrado Profissional da Enfam e Membro do CoLab na EACH / USP.

CoLab participará do evento “ABRELATAM” E “CONDATOS” em Montevidéu (Uruguai)

Fonte: Site AbreLatam 2023

Amanhã, Montevidéu reunirá uma comunidade ampla e diversificada de pesquisadores, técnicos, representantes de governo e da sociedade civil que trabalham e se interessam pela promoção, pesquisa, publicação e uso de dados abertos.

Todos estarão reunidos no ABRELATAM e CONDATOS, que são os principais e mais antigos eventos da América Latina voltados à discussão do tema e formação de comunidades desde 2013, com integrantes de países de língua espanhola da América Central, Caribe e América do Sul, bem como de participantes da América do Norte e da Europa.

A organização do evento é rodiziada por diferentes países, a partir de acordos entre governos e atores da sociedade civil, sob a supervisão da Organização dos Estados Americanos (OEA-DGPE) ao CONDATOS e a Iniciativa Latino-Americana de Dados Abertos (ILDA) para a ABRELATAM, atuando como guardiões dos princípios fundamentais do evento.

🔗 Mais infos: https://2023.abrelatam.org/

#CoLabUSP #DadosAbertos #Pesquisa #ComunidadeGlobal #Inovação

Coordenadores do CoLab integram obra coletiva inédita sobre Open Justice e Hiperconectividade

Imagem/Divulgação: Thomson Reuters.

No dia 24/10/2023, foi realizado o lançamento oficial da obra coletiva “Open Justice na era da hiperconectividade”, pela Editora Thomson Reuters – Revista dos Tribunais, que conta com dois capítulos de autoria dos coordenadores do Co.Lab, os professores Gisele Craveiro, Ester Rizzi e Jorge Machado.

Juntos, os autores escreveram o capítulo “O conceito de Justiça Aberta e sua relação com as comunidades pela Reforma do Sistema de Justiça”, trabalho em que apresentam uma análise sobre a abrangência e delimitações que o conceito de Justiça Aberta tem recebido das instituições e atores engajados no tema. 

A obra também conta com o texto “Perspectivas à abertura de dados do Poder Judiciário”, de autoria da prof. Gisele Craveiro em parceria com os pesquisadores Ana Carolina Benelli e Pedro Gueiros.

Participaram do evento de lançamento as professoras Gisele Craveiro, de forma presencial e a Ester Rizzi, remotamente. A obra já está disponível e pode ser adquirida em primeira mão no site da Editora – acesse aqui. 

Confira algumas imagens do evento:

Algoritmos podem ser aliados no combate a desinformação?

Por Ítalo Alberto, COLAB/USP

As pessoas têm acessado cada vez mais mídias sociais para se informarem e tanto essas plataformas como os algoritmos embutidos nelas estão contribuindo para o aumento da desinformação. O algoritmo responsável pela distribuição de conteúdo, por exemplo, pune o engajamento de postagens que contém links externos que fazem as pessoas saírem de sua plataforma. O objetivo delas é manter as pessoas na plataforma a maior quantidade de tempo possível.

Fonte: https://stablediffusionweb.com/

O algoritmo também favorece publicações que despertam emoção intensa nas pessoas que interagem com esses tipos de publicações. Inclusive, é nesse momento que conteúdos de desinformação acabam se beneficiando desses algoritmos, pois quanto mais chocante for a notícia, mesmo que não esteja refletindo de fato a realidade, mais fortemente essa notícia vai ser beneficiada pelo algoritmo de distribuição.

Quando falamos de se beneficiar com o algoritmo, estamos ressaltando a capacidade dele de promover conteúdos, distribuindo para maiores quantidades de usuários. Isso faz com que algumas informações expressas de um jeito sejam mais visualizadas do que outras, moldando a percepção que as pessoas têm das informações.

O surgimento de IAs cada vez mais poderosas, principalmente as chamadas IAs generativas, que são aquelas que geram textos tão interessantes e convincentes que parecem terem sido escritos por humanos, podem desenvolver centenas de milhares de textos em instantes e acabam trazendo preocupações ainda maiores para uma das questões mais críticas que estamos enfrentando hoje que são os distúrbios informacionais. 

O pensador Paul Virilio constatou: “desastres aéreos só passaram a existir depois que os aviões foram criados”. Hoje com a internet e a inundação de informações que estão sendo expostas na Web, estamos chegando no equivalente a um desastre aéreo, só que se tratando da comunicação, estamos chegando a esse desastre em um nível informacional.

E da mesma forma que usamos tecnologias de ponta e bastante engenharia para lidar com todos os detalhes possíveis encontrados de forma a mitigar erros e evitar a maior parte dos desastres aéreos, temos hoje uma demanda cada vez maior de usar mecanismos tecnológicos e estudos detalhados para evitar esses potenciais “desastres informacionais”.

Ao lidar com desinformação, realizar tarefas de monitoramento de plataformas com algoritmos tendenciosos e IAs generativas com sua super capacidade de geração de textos convincentes é um caminho que acaba exigindo mais do que o uso de práticas de verificação de fatos de forma manual e individualizada, pois o conteúdo desinformacional chega em grande escala e é distribuído em um sistema de favorecimento opaco. Seguir esse modo mais artesanal para combater problemas automatizados é favorecer o caminho do desastre informacional que estamos percorrendo.

A principal questão é porque esse é um dilema complexo, pois decidir se uma informação é ou não falsa acaba sendo uma questão sensível. Dessa forma, acabamos tendo a impressão de que essa deve ser uma tarefa totalmente humana. Porém, temos visto nos últimos tempos diversos exemplos de meios tecnológicos que auxiliam em parte do trabalho massante que costumávamos ter que fazer, abrindo espaço para tratarmos de questões mais importantes que dependiam das nossas habilidades humanas.

O ponto principal do uso de algoritmos para auxiliar na detecção e análise de desinformação é lidar com uma automatização parcial, de modo que o algoritmo faça apenas parte do trabalho, a mais repetitiva e automática, que demandaria mais tempo e recurso para realizar, e o humano a outra parte, aquela mais sensível e subjetiva. 

Um exemplo disso seria a definição de uma massa de amostras que indicam se informações são falsas ou não, a criação dessa massa sinalizada seria uma atividade que especialistas teriam que executar dado o grau de subjetividade. Um algoritmo de Aprendizado de máquina utiliza massas de exemplos como forma de entrada de dados para aprender a identificar o modo que situações se diferenciam uma da outra. Uma vez treinado com essas informações, ele tem a atribuição de realizar essas tarefas em cenários futuros com as novas informações que surgirem. 

Existem diversos algoritmos disponíveis que detectam spam, eles utilizam exemplos massivos de informações que foram sinalizadas como problemáticas e conseguem a partir disso classificar novas mensagens como verídicas ou spam. O uso desse tipo de solução já foi aplicado na detecção de fake news obtendo um resultado eficiente. Porém, o problema da desinformação é que informações novas surgem a cada momento e o algoritmo precisa estar sempre aprendendo com elas para se manter atualizado e eficaz. Temos hoje o conceito de fine tuning, que são mecanismos construídos para afinar algoritmos de forma a conseguir alcançar resultados mais efetivos.

Com tantas novas publicações aparecendo, algumas podem acabar passando despercebidas por agentes humanos checadores de fatos, porém temos hoje algoritmos cada vez mais poderoso para vasculhar as plataformas de forma constante e escalável de forma a capturar possíveis publicações críticas. Um resultado já bastante útil seria a indicação de notícias com potencial de serem falsas para futura classificação humana, trazendo registros que talvez especialistas em checagem de notícias não tenham acessado ainda. 

Diante disso, vemos que o uso do algoritmo não viria como um tomador de decisão final, mas sim como um filtro que realiza uma pré-classificação cuja função é vasculhar a web para trazer tópicos de informações que podem ter maiores chances de serem consideradas falsas. Utilizar abordagens com esses graus avançados de desenvolvimento para lidar com questões críticas informacionais que estamos lidando é fazer o trabalho necessário que precisamos para evitar possíveis e potenciais “desastres informacionais” que talvez tenhamos que lidar cada vez mais nos próximos tempos. 

Fonte: https://desinformante.com.br/algoritmo-aliado-desinformacao/

Ítalo Alberto é mestre em Computação pela USP (Universidade de São Paulo) e doutorando em Ciências sociais aplicadas a Inteligência Artificial na USP. É cientista de dados na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e professor de pós graduação de Inteligência Artificial na Faculdade de Belas Artes.

Política de inclusão da USP acaba por excluir maioria dos indígenas

Por Jorge Machado, COLAB/USP

O último Censo revelou que a população indígena do Brasil é de 1,7 milhões de pessoas. Isso significa um notável crescimento em relação ao censo anterior, de 2010, quando foram registrados 896 mil indígenas1. Sujeitos historicamente à situações de discriminação e violência, a população de ancestralidade indígena foi sujeita a invisibilidade. O aumento da autodeclaração possui grande significado para o resgate da identidade indígena, conforme afirmou a Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, no lançamento do “Censo 2022 Indígenas: Primeiros resultados”, em Belém, no mês passado2.

No entanto, a Universidade de São Paulo tem entendimento particular sobre quem pode ser reconhecido como indígena. A Resolução 8434/2023 da USP exige a apresentação do Registro Administrativo de Nascimento Indígena (RANI) como prova de ser indígena. De acordo com a norma:

Artigo 3º – Para confirmação da autodeclaração do candidato indígena será exigido o Registro Administrativo de Nascimento do Índio – RANI próprio ou, na ausência deste, o RANI de um de seus genitores.

Parágrafo único – Situações excepcionais poderão ser avaliadas pelo Conselho de Inclusão e Pertencimento, que poderá admitir a confirmação da autodeclaração do candidato como indígena por meio de, cumulativamente, memorial e declaração de pertencimento étnico subscrita por caciques, tuxauas, lideranças indígenas de comunidades, associações e/ou organizações representativas dos povos indígenas das respectivas regiões, sob as penas da Lei.”

Na ausência do RANI, a USP pede um memorial e “declaração de pertencimento étnico” assinada por lideranças indígenas “sob penas da Lei”. Cabe dizer que o RANI tem a função de registrar nascimentos em aldeias distantes, onde não há hospitais e maternidades, servindo como meio de prova para Registro Civil e emissão da Certidão de Nascimento3. A maioria dos indígenas não possuem o RANI. O último dado público disponível, ainda do Censo 2010, apontou que apenas 22,7% dos indígenas (203 mil) possuíam o RANI4. Sendo assim, além do desvio de sua função, a exigência do RANI constitui um critério altamente excludente para os indígenas.

A exigência do RANI é ainda mais grave quando levamos em consideração que existem indígenas de outros países, especialmente andinos, vivendo no país. Para a USP somente há indígenas no Brasil. Apenas no Estado de São Paulo, há 360 mil estrangeiros. Destes, é estimado que 1/3 sejam bolivianos – nesse país, cerca de 88% de sua população possui origem indígena ou mestiça5. Afirmar que só brasileiros podem ser considerados indígenas é a mesma coisa que dizer que africanos não podem ser considerados pretos ou pardos.

De acordo com a FUNAI, O RANI é um documento administrativo e não confere nenhum benefício
especial ao seu possuidor, nem é garantia ou condição exclusiva de pertencimento étnico. Segundo ainda a FUNAI6, “de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, não há órgão, entidade ou instituição por si próprio que tenha o poder de atestar, declarar, certificar, validar, confirmar ou ratificar a origem de qualquer cidadão enquanto indígena.” Logo a USP não teria esse poder.

Tal entendimento é convalidado pelo Estatuto do Índio e pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, reconhecida pelo Brasil através do Decreto nº 5.051/2004. Posteriormente, outro decreto, o 10.088/2019, veio consolidar os atos normativos federais relativos a Convenção nº 169 da OIT. Este decreto estabelece em seu artigo 1º que “a consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção”.

Se a USP pretende estabelecer algum fator limitante para evitar eventuais abusos, então que exija uma autodeclaração do candidato(a) e que a mesma tenha caráter público, para fins de controle social. Não deveria fazer exigências descabidas, para além do que a FUNAI e a legislação federal estabelece.

A USP precisa rever a resolução que norteia as políticas da PRIP para que os resultados alcançados não sejam contrários aquilo que se espera alcançar, sob o risco de gerar barreiras adicionais à visibilidade e à representação de indivíduos de ancestralidade indígena.

Notas:

1https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2023/dados-do-censo-2022-revelam-que-o-brasil-tem-1-7-milhao-de-indigenas

2https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2023/08/07/censo-do-ibge-2022-as-pessoas-estao-estao-a-vontade-para-dizer-que-sao-indigenas-diz-ministra-sonia-guajajara.ghtml

3 De acordo com o “Estatuto do Índio”, Lei 6.001/73, Artigo 13, “o registro administrativo constituirá, quando couber, documento hábil para proceder ao registro civil do ato correspondente, admitido, na falta deste, como meio subsidiário de prova”. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6001.htm

4https://www.ibge.gov.br/apps/atlas_nacional/pdf/ANMS%20Indio.pdf

5https://www.cia.gov/the-world-factbook/countries/bolivia/#people-and-society

6 https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2023/funai-explica-aspectos-do-registro-administrativo-de-nascimento-de-indigena-rani

LAI: principais solicitantes de informação pública ao Ministério da Saúde foram jornalistas, pesquisadores e estudantes

Oito em cada dez solicitações de dados abertos feitas ao Ministério da Saúde entre 2015 e 2021 foram atendidas; As demandas são principalmente de jornalistas, pesquisadores e estudantes de universidades; Os dados mais buscados são de distribuição de verba pública para a pandemia e ações do MS no combate à Covid-19.”

Novo estudo de pesquisadores da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) e Universidade de São Paulo (USP) mostra que jornalistas, pesquisadores e estudantes de graduação, mestrado e doutorado foram os que mais fizeram solicitações por dados públicos ao Ministério da Saúde (MS) via Lei de Acesso à Informação (LAI), entre 2015 e 2021. Dentre todos os pedidos, que inclui a maioria de anônimos, 80% foram atendidos, inclusive durante a pandemia. A pesquisa está publicada na edição de quarta (19) da revista “Cadernos Gestão Pública e Cidadania”.

O estudo foi feito utilizando dados da Controladoria Geral da União (CGU), que agrega todas as solicitações via LAI, sobre os pedidos realizados entre 2015 e 2021. Depois de selecionarem somente aqueles feitos ao MS, os pesquisadores identificaram que as solicitações aumentaram durante a pandemia. O maior interesse foi por informações sobre distribuição de verba pública para contenção da Covid-19, ações do MS no combate à pandemia e dados sobre tuberculose, dengue e meningite.

Segundo Gisele Craveiro, uma das autoras do estudo, o trabalho dá sequência a outra pesquisa desenvolvida por ela e colegas, que apontou que, desde 2015, o maior interesse dos solicitantes da LAI era por dados públicos sobre saúde e educação. “Já naquela época, queríamos ajudar o governo a compreender a demanda por dados e, assim, a priorizar a disponibilização deles. Quando veio a pandemia, foi importante concentrar as análises na saúde porque essa informação era extremamente necessária para tomadas de decisão”, afirma Craveiro.

A professora também destaca que os resultados confirmaram suas hipóteses e são parcialmente positivos. Segundo ela, o fato de muitas das solicitações terem sido atendidas demonstra que a burocracia da transparência do Governo Federal não foi completamente desmontada. “É muito importante que dados abertos sobre controles de gastos, estado da evolução da pandemia, distribuição de remédios e outros temas de interesse público sejam, de fato, disponibilizados à sociedade”, reforça Craveiro. A especialista acrescenta que a solicitação por mais informações sobre “prestação de contas” já tinha sido observada em outros estudos. “Mesmo assim, as ações não cumprem todas as metas previstas no Plano de Dados Abertos do Ministério da Saúde”, pontua.

Craveiro destaca que o Brasil tem um ecossistema de consumo de dados robusto, com organizações da sociedade civil e de mídia organizados para obter os dados, organizá-los e divulgá-los para o público durante a pandemia, promovendo assim o acesso à informação de qualidade em um momento em que retrocessos da transparência e notícias fraudulentas afetavam a confiança da população na ciência. A pesquisadora afirma que, embora não tenha sido objeto de estudo, o consórcio de veículos de imprensa para obtenção de dados primários sobre a pandemia de Covid-19, criado em junho de 2020, deve ser lembrado como iniciativa exitosa.

Os autores seguem com estudos na área, dando enfoque para a abertura de dados públicos nas universidades federais brasileiras. Além disso, estão investigando se as agências governamentais financiadoras de ciência no Brasil incentivam os pesquisadores contemplados com dinheiro público a guardar e compartilhar os dados brutos das suas pesquisas.

Fonte: Agência Bori

Pesquisas sobre ecosistemas de dados governamentais abertos

As organizações públicas estão enfrentando novas demandas por parte da sociedade, que envolvem uma maior transparência e participação na gestão dos recursos públicos, além de um maior controle sobre a qualidade dos serviços oferecidos e uma maior responsabilidade dos gestores na utilização desses recurso

As organizações públicas estão enfrentando novas demandas por parte da sociedade, que envolvem uma maior transparência e participação na gestão dos recursos públicos, além de um maior controle sobre a qualidade dos serviços oferecidos e uma maior responsabilidade dos gestores na utilização desses recursos. Essas novas exigências deram origem a uma plataforma denominada governo aberto, que busca disponibilizar informações (em qualquer formato) de responsabilidade governamental.

Dentro das possibilidades criadas pelas iniciativas de governo aberto, temos a utilização de dados abertos (DA), que são informações disponibilizadas na Internet de forma que possam ser reutilizadas por terceiros. Em diversos países, desde o início do século, esses temas assumiram um papel importante nas políticas públicas. No Brasil, o governo federal tomou diversas medidas em direção a esses temas, culminando, em novembro de 2011, na lei nº. 12.527 (LAI – Lei de Acesso à Informação), que entrou em vigor em 16 de maio de 2012, regulamentando o direito constitucional de acesso dos cidadãos às informações públicas, aplicável aos três poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Diante disso, é evidente a importância de os governos (responsáveis por disponibilizar grande parte das informações em formato aberto) manterem uma ampla relação com a sociedade e conhecimento de suas necessidades e capacidades para acessar e utilizar as informações disponibilizadas. Esse fato justifica a relevância da realização de trabalhos relacionados a esse tema.

Em todo o mundo, diversos pesquisadores, especialmente acadêmicos, e organizações da sociedade civil começaram a desenvolver estudos sobre a disponibilização de informações pelos governos para a sociedade e até mesmo para outros governos.

No contexto brasileiro, a realidade não foi diferente. Nesse sentido, os professores Cláudio Sonáglio Albano e Gisele da Silva Craveiro, embora já atuassem anteriormente com o tema de dados governamentais, começaram a trabalhar juntos a partir do ano de 2014.

No segundo semestre desse ano (2014), eles realizaram uma série de entrevistas com atores da sociedade e órgãos governamentais envolvidos com orçamento público e a disponibilização desses dados em formato aberto para a sociedade. As entrevistas incluíram atores de diversos países, como Argentina, Brasil, Chile, México e Uruguai. Os resultados desse trabalho podem ser consultados em: 

Os trabalhos anteriormente mencionados têm uma forte vinculação com questões orçamentárias e exploram as possibilidades de coprodução e inovação por meio do uso dos dados disponibilizados.

Continuando a investigação sobre esse tema, porém com foco nas Universidades Públicas Federais Brasileiras, foi desenvolvida uma dissertação de mestrado no programa de pós-graduação em Administração de Empresas da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), no campus de Santana do Livramento. Os resultados dessa dissertação podem ser acessados em:

Em busca de um maior entendimento sobre o ecossistema brasileiro de dados abertos, os autores expandem suas pesquisas para outros contextos. Nesse sentido, eles desenvolveram um trabalho focado na área da saúde. Os resultados desse trabalho podem ser acessados em:

Gisele da Silva Craveiro é Doutora em Engenharia de Sistemas pela USP, Mestre pela Unicamp em Ciências da Computação. Orientadora e Professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, credenciada no Programa de Pós-graduação em Mudança Social e Participação Política, Líder do grupo de pesquisa Colaboratório de Desenvolvimento e Participação (CoLab-USP).

Claudio Sonaglio Albano é Graduado em Administração Empresas/URCAMP, 1986. Especialista em Ciências da Computação, PUC/RS – Porto Alegre, 1992. Mestre em Administração de Empresas, área Sistemas de Informação UFRGS, 2001. Doutor em Administração pela FEA\USP em 2014, com estágio sanduíche na Universidade Estadual de Nova York (EUA), no Centro Tecnologia para Governo (CTG, Albany). Atualmente é Professor na Universidade Federal do Pampa no curso de Engenharia de Produção em Bagé/RS.

INOVAÇÕES DEMOCRÁTICAS COM MEDIAÇÃO TECNOLÓGICA CÍVICA DIGITAL NO CONTEXTO ESCOLAR

É possível transformar as políticas educacionais por meio do uso de ferramentas cívicas digitais de participação social

A pesquisa intitulada “INOVAÇÕES DEMOCRÁTICAS COM MEDIAÇÃO TECNOLÓGICA CÍVICA DIGITAL NO CONTEXTO ESCOLAR”, desenvolvida pelo Doutorando Manoel dos Santos no Programa de Pós-graduação em Mudança Social e Participação Política na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, sob a orientação da Professora Drª Gisele da Silva Craveiro, focaliza a participação política com o uso de mediação tecnológica cívica digital para o monitoramento cidadão e avaliação de serviços e políticas públicas no ambiente escolar.

Esse estudo analisa como os processos de participação política em experiências de monitoramento cidadão, facilitados pelas plataformas cívicas de mediação tecnológica, contribuem para a produção, análise e uso de dados e informações na avaliação e tomada de decisão para a implementação de políticas públicas no contexto escolar. O período de análise compreende os anos de 2016 a 2021, durante o qual os casos estudados foram executados.

A pesquisa baseia-se na análise de cinco iniciativas incentivadas por órgãos de accountability burocrática, que visam produzir, analisar e utilizar dados e informações para a tomada de decisão, com o propósito de promover melhorias na execução de políticas e serviços públicos. As experiências específicas analisadas são as seguintes: 

  1. a campanha de monitoramento da merenda denominada Projeto Égua da Merenda, João!, no âmbito do Programa Nacional da Merenda Escolar, implementado em escolas estaduais pela CGU-Regional Pará, em parceria com a Secretaria de Estado da Educação do Pará e envolvendo o Movimento Pacto Estudantil pela Educação Pará (MPEPEP) e a Organização Social Belém (OSB- Belém), em Santarém, no Pará, entre 2016 e 2018;
  2. o Projeto Monitorando a Merenda, uma iniciativa do Projeto Ouvidoria Ativa do Programa Nacional da Merenda Escolar, implementado em escolas estaduais pela CGU-Regional Pará, em parceria com a Faculdade de Ciências Contábeis da Universidade Federal do Pará (UFPA), a Organização Social Belém (OSB- Belém) e a Secretaria de Estado da Educação do Pará, em Belém, Pará, entre 2016 e 2017;
  3. o Projeto Monitorando a Merenda, no âmbito do Programa Nacional da Merenda Escolar, implementado em escolas do Distrito Federal pela Controladoria Geral do Distrito Federal, com a anuência da Secretaria de Estado do Distrito Federal e a participação das escolas, do Instituto Federal de Fiscalização e Controle e do Center for Civic Media, em Brasília, entre 2016 e 2019;
  4. o Projeto Monitorando a Merenda, no âmbito do Programa Nacional da Merenda Escolar, implementado em escolas estaduais, capitaneado pela CGU-Regional Bahia, em parceria com a Secretaria da Educação do Estado da Bahia, com a Ouvidoria Vai à Escola da SEC/Ba e o Observatório Social da Despesa Pública de Jequié, entre 2018 e 2019 em Salvador, Jequié e Lauro de Freitas.
  5. o Projeto Estudantes de Atitude, é uma iniciativa desenvolvida no contexto escolar pela Controladoria Geral do Estado de Goiás (CGE-GO), em parceria com a Secretaria de Estado da Educação – SEDUC. 

Nessa etnografia do ecossistema brasileiro de participação política e cidadã, mediada por tecnologia cívica digital para o monitoramento e avaliação de serviços e políticas públicas no contexto escolar, a pesquisa aborda questões e iniciativas do mundo real, concentrando-se na melhoria dos serviços e políticas públicas nas escolas por meio da participação cidadã e da tomada de decisão baseada em dados, combinando abordagens top-down e bottom-up em configurações de arranjos socioestatais e societais.

As iniciativas de monitoramento cidadão e avaliação de serviços e políticas públicas no contexto escolar analisadas utilizam plataformas digitais como o Monitorando a Cidade e o WhatsApp nos quatro primeiros casos. Além disso, na quinta iniciativa, são empregadas diversas outras plataformas digitais, como o SurveyMonkey, Google Forms, Telegram, Whatsapp, Facebook, Instagram, Youtube e Smartsheet. Essas ferramentas tecnológicas digitais possibilitam a participação política e o empoderamento dos cidadãos nas relações e interfaces socioestatais e societais, através da coleta de dados e informações com mediação tecnológica cívica digital, permitindo identificar, compreender, colaborar, cocriar, incidir e transformar suas realidades por meio da cogovernança construída no contexto das inovações democráticas com o uso de tecnologias cívicas digitais.

De acordo com Gray (2016), dados e informações digitais devem ser usados para atender aos interesses da sociedade e dos cidadãos, por meio da “reimaginação da política de dados”, visando promover o desenvolvimento humano, o empoderamento cívico, o avanço do progresso social e o fortalecimento da democracia.

A utilização de ferramentas cívicas digitais na coleta de dados e informações possibilita a realização de “um processo coletivo que visa discutir questões críticas, obter informações para melhor compreendê-las e dialogar com atores locais para desenvolver soluções” (MARTANO et al., 2017).

Os resultados preliminares da pesquisa revelam que cada interfacemento dos mecanismos de accountability burocrática apresenta diferentes tipos e conformações de modelos e arranjos institucionais de monitoramento cidadão para a avaliação de serviços e políticas públicas. Verifica-se que, apesar do uso comum da mediação tecnológica cívica digital, em todas as iniciativas, o contexto sociopolítico contribui para a configuração de vontades políticas e de arranjos institucionais, levando a diferentes resultados.

Observa-se que a tecnologia cívica digital é um fator relevante para o engajamento dos cidadãos que adotam esse tipo de ferramenta como responsáveis pela coleta de dados, podendo fazer diferença para esse grupo social e arranjo específico, permitindo uma mudança positiva no processo de formulação e implementação de políticas e serviços públicos.

Assim, a participação política mediada por tecnologia cívica digital, nesses casos específicos, por meio da produção colaborativa de dados e informações com agilidade e relevância, contribui para aumentar a responsividade dos governos. Observa-se que os cidadãos apresentam contribuições e demandam serviços e políticas públicas de qualidade ao poder público, ativando ou interagindo com agências de accountability socioestatal e societal, exercendo o controle social, a fiscalização e a supervisão externa, em conjunto com a participação de atores da sociedade civil. A sociedade civil também exerce o controle social, articulando mecanismos e agências com poder de fiscalização e aplicação de sanções, conferindo legitimidade à participação da sociedade, sendo um ator estratégico para contribuir com a educação para a cidadania.


Para saber mais acesse o artigo intitulado “Processos de participação cidadã mediados por tecnologias digitais: um estudo sobre monitoramento participativo e avaliação de políticas públicas no contexto escolar”, publicado no 44o Encontro Anual da ANPOCS, realizado entre os dias 1 e 11 de dezembro de 2020.

Manoel dos Santos é Doutorando em Mudança Social e Participação Política pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e integrante do grupo de pesquisa Colaboratório de Desenvolvimento e Participação (CoLab-USP).

Gisele da Silva Craveiro é Doutora em Engenharia de Sistemas pela USP, Mestre pela Unicamp em Ciências da Computação. Orientadora e Professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, credenciada no Programa de Pós-graduação em Mudança Social e Participação Política, Líder do grupo de pesquisa Colaboratório de Desenvolvimento e Participação (CoLab-USP).

Qual é o Futuro dos Dados na América Latina ? 

No cenário em que dados e informações se tornam a matéria-prima fundamental para a tomada de decisão, abrangendo desde o âmbito pessoal até o institucional e envolvendo diversos processos, desde a coleta, organização até a extração e incorporação do conhecimento, surge a indagação: para onde estamos caminhando?

Com o intuito de explorar essa questão e estimular reflexões, a Iniciativa Latinoamericana para os Dados Abertos (ILDA), uma organização da sociedade civil na América Latina que visa construir conhecimento e ferramentas para promover o desenvolvimento inclusivo com base em dados, realizou o ensaio audiovisual “Futuro de los Datos”. Vale ressaltar que a ILDA também atua como nó da rede Open Data for Development (OD4D).

Nas contribuições de Gisele Craveiro e outros membros da comunidade latino-americana de dados abertos, eles aprofundam a exploração da interseção entre a agenda de dados e temáticas como inteligência artificial, governança, direitos digitais, política e diversidade. Ao compartilharem seus depoimentos, eles nos levam a refletir sobre as conexões significativas entre esses tópicos, destacando a importância de uma abordagem holística e inclusiva no universo dos dados abertos.

No primeiro episódio, o foco recai sobre as múltiplas vantagens e ameaças decorrentes do uso futuro da Inteligência Artificial: as lacunas de desigualdade, as implicações éticas envolvidas, o desenvolvimento tecnológico e as ferramentas que podem melhorar diversas áreas da sociedade.

*Gisele Craveiro é Coordenadora do grupo de pesquisa Colaboratório de Desenvolvimento e Participação da USP. Docente do Programa de Pós em Mudança Social e Participação Política da EACH-USP. Mestre e Doutora em Computação.

Guia para Análises de Políticas Públicas: Usando Evidências a partir de Ciência de Dados e Inteligência Artificial

fonte: teste

Você já imaginou como a combinação de Inteligência Artificial, Ciência de Dados e análise de políticas públicas pode revolucionar a forma como entendemos e tomamos decisões sobre os desafios sociais?

Atualmente, a pesquisa acadêmica tem se tornado um trabalho árduo e complexo. Ao buscar por palavras-chave nos buscadores de conteúdo científico, muitas vezes somos inundados com listas imensas de trabalhos relacionados. Embora o acesso aos dados tenha se tornado mais simples, essa abundância de informações também exige o uso de ferramentas complexas para compreender o que esses dados realmente ‘dizem’.

Nesse sentido, um projeto de doutorado em andamento no Colab está desenvolvendo um artefato com abordagem sistemática e automatizada para a pesquisa acadêmica em análise de políticas públicas. Por meio de métodos de Inteligência Artificial e Ciência de Dados, nosso projeto busca fornecer aos pesquisadores um “Guia” claro e eficiente para explorar grandes volumes de informações de maneira estruturada, economizando tempo e esforço. Assim, os pesquisadores podem concentrar-se na interpretação dos resultados e na seleção de insights relevantes para suas pesquisas.

Essa pesquisa teve início a partir de um estudo acadêmico (Almeida et al., 2018) que identificou a falta de ferramentas de automação na análise de trabalhos acadêmicos que utilizam dados abertos governamentais. Foram analisados 75 estudos selecionados entre 2009 e 2016. Os resultados revelaram que essas pesquisas tinham poucas ou nenhuma ferramenta de apoio para a automação na coleta, processamento e visualização dos dados. Em um estudo posterior (Beluzo & Craveiro, 2022), analisamos como esses trabalhos se relacionam com as técnicas da ciência de dados em alguma etapa do processo de análise, ficando evidente que as pesquisas estavam aquém das expectativas. Essas descobertas destacaram a necessidade de melhorias e avanços na automação e aplicação de técnicas de ciência de dados na análise de políticas públicas, originando a ideia do Guia.

Com abordagem interdisciplinar que combina técnicas estatísticas, mineração de dados e IA generativa, nosso projeto busca permitir uma análise mais abrangente a partir de um conjunto de textos acadêmicos (dados não estruturados) e dados abertos, descobrindo padrões, tendências e relações ocultas nos dados. Os pesquisadores poderão explorar diferentes métodos e ferramentas disponíveis no guia, possibilitando uma compreensão mais profunda e abrangente das políticas públicas estudadas. Vale ressaltar que o pesquisador continua como protagonista e conhecedor do assunto, sendo o guia um instrumento que reduz etapas de análise e apresenta informações relevantes durante o processo inicial da pesquisa.

Nosso projeto encontra-se em fase de desenvolvimento, e estamos comprometidos em garantir que ele seja aplicável a uma ampla variedade de contextos e problemas de pesquisa em políticas públicas.

Gostou do assunto? Quer saber mais? Entre em contato com o Co:LAB USP!

* José Rodolfo Beluzo é Doutorando no ProMuSPP – EACH / USP; Graduado em Ciências de Computação pelo ICMC-USP; Especialização em desenvolvimento de sistemas WEB pela UNIFAFIBE e Mestre em Sistemas de Informação pelo PPGSI – EACH / USP. Professor e Pesquisador na área de Informática no IFSP Araraquara / SP.