Colab-USP no II Congresso Brasileiro de Comunicação Pública, Cidadania e Informação: o direito humano à comunicação e as ameaças da desinformação

“No encerramento do II ComPública, para além da riqueza resultante da fusão de ideias e experiências voltadas à promoção da comunicação pública e ao combate às ameaças da desinformação, destacou-se a leitura e aprovação da Carta de Natal. Este documento representa as conclusões fundamentais do congresso e reafirma o compromisso dos comunicadores com a defesa da Comunicação Pública

Por Wagner Luiz Taques da Rocha

No vibrante cenário de Natal (RN), o II Congresso Brasileiro de Comunicação Pública, Cidadania e Informação (II ComPública) tomou vida durante o mês de outubro. Uma notável colaboração entre a ABCPública e a Universidade Federal de Natal (UFRN) resultou neste encontro enriquecedor. O evento, permeado pelo tema “O direito humano à comunicação e as ameaças da desinformação”, recebeu a representação do CoLab-USP, marcada pela presença do pesquisador Wagner Rocha. 

O II ComPública reuniu um público diversificado, composto por profissionais, pesquisadores e estudantes, proporcionando um ambiente propício para a discussão de temas fundamentais relacionados às práticas de comunicação pública e sua interação intrínseca com a cidadania, direitos humanos e democracia.

O formato do evento foi estruturado de maneira a fomentar debates profundos e reflexivos. A programação abrangeu palestras, mesas-redondas e apresentações de artigos científicos, oferecendo uma abordagem abrangente sobre diversas questões. Entre os tópicos explorados, destacam-se as dinâmicas entre comunicação pública, mídias tradicionais e digitais; a interseção entre direitos humanos e decolonialidade; a complexidade da relação entre democracia, transparência e participação; as nuances da radiodifusão pública, privada e estatal no contexto brasileiro e latino-americano; o direito à informação e acessibilidade; além de considerações pertinentes sobre a gestão e governança da comunicação pública.

O pesquisador do CoLab-USP, Wagner Rocha, participou do Grupo de Trabalho “Comunicação, Democracia, Transparência e Participação” e apresentou o artigo “Comunicação pública como elemento para efetivação dos princípios de governo aberto na América Latina: interfaces teóricas e práticas”. O artigo estará disponível, em breve,em uma publicação da ABCPública. 

No encerramento do II ComPública, para além da riqueza resultante da fusão de ideias e experiências voltadas à promoção da comunicação pública e ao combate às ameaças da desinformação, destacou-se a leitura e aprovação da Carta de Natal. Este documento representa as conclusões fundamentais do congresso e reafirma o compromisso dos comunicadores com a defesa da Comunicação Pública. 

Com mais de 100 comunicadores endossando o documento, incluindo o pesquisador do CoLab-USP, Wagner Rocha, a Carta já está disponível para acesso na biblioteca da ABCPública. Este é um passo significativo na consolidação dos princípios discutidos e na promoção contínua da comunicação pública. 

Rute Souza (Agência Fotec/UFRN) 

Wagner Rocha (CoLab-USP)


Wagner Rocha é Doutorando em Mudança Social e Participação Política (ProMuSSP/EACH), mestre em Gestão de Políticas Públicas, graduado em Comunicação Social- Jornalismo e especialista em Comunicação Institucional e Gestão Pública. É Analista de Políticas Públicas e Gestão Governamental na Prefeitura de São Paulo.

Colab-USP participa da entrega de compromisso do 3º Plano de Ação em Governo Aberto da Cidade de São Paulo

“O encontro contou com a participação de servidores, membros do Fórum de Gestão Compartilhada, acadêmicos, integrantes do Conselho Participativo e toda a comunidade para assistir as falas das áreas da Saúde e Educação, Secretarias responsáveis pela implementação do compromisso

Por Emilly Espildora e Gisele Craveiro

O terceiro e mais recente Plano de Ação em Governo Aberto (2021-2024) do município de São Paulo, na Parceria por um Governo Aberto (Open Government Partnership), foi elaborado entre fevereiro e setembro de 2021, após a atualização da composição do Fórum de Gestão Compartilhada (FGC), cuja representação acadêmica é exercida pelo Colab-USP. O processo envolveu oito macroetapas, abrangendo atividades como consultas públicas, oficinas e reuniões abertas a toda a população.

O 3º Plano possui quatro Compromissos, desdobrados em quatro marcos cada, que devem ser executados pela Prefeitura, em parceria com a sociedade civil, até outubro de 2024. Os compromissos são:

    Compromisso 1: Aprimorar as ferramentas de informações e dados sobre licitações e contratações, qualificando e ampliando a transparência da Prefeitura da Cidade de São Paulo.

    Compromisso 2: Fortalecer o engajamento da população para o monitoramento da implementação da Agenda Municipal 2030.

    Compromisso 3: Promover ações para fortalecimento institucional dos Conselhos e Colegiados de Políticas Públicas na Cidade de São Paulo.

    Compromisso 4: Geração e disponibilização de dados sobre infraestrutura hospitalar e vacinação no Município de São Paulo e o impacto da Covid-19 na frequência escolar dos estudantes da Rede Municipal de Educação.

No dia 29 de novembro de 2023, foi entregue o Compromisso 4 do 3º Plano de Ação em Governo Aberto da Cidade de São Paulo em evento na Secretaria de Educação Municipal. No Compromisso 4, há o compromisso de gerar e disponibilizar dados sobre infraestrutura hospitalar e vacinação no Município de São Paulo e sobre o impacto da Covid-19 na frequência escolar dos estudantes da Rede Municipal de Educação.

O encontro contou com a participação de servidores, membros do Fórum de Gestão Compartilhada, acadêmicos, integrantes do Conselho Participativo e toda a comunidade para assistir as falas das áreas da Saúde e Educação, Secretarias responsáveis pela implementação do compromisso.

O Colab-USP, na pessoa de Emilly Espildora que exerce a titularidade da representação acadêmica, no Fórum de Gestão Compartilhada foi convidada a compor a mesa de abertura do evento como representante da sociedade civil. Sua fala abordou o processo de co-criação do compromisso e os aprendizados adquiridos, buscando inspirar outros setores a reavaliar os dados abertos em seu cotidiano

O Colab-USP fez parte do grupo de trabalho que se reuniu mensalmente nos últimos dois anos para implementação dessa agenda. Como resultado, a Prefeitura desenvolveu plataformas, painéis e guias de facilitação sobre os dados vinculados à pandemia.

Para conhecer mais sobre o terceiro plano de ação em governo aberto, acesse: Terceiro Plano de Ação em Governo Aberto | Casa Civil | Prefeitura da Cidade de São Paulo


Gisele Craveiro é Profa. Dra. da Universidade de São Paulo (USP). Coordenadora do CoLab (USP). Integrante do Comitê da Iniciativa Latino-Americana de Dados Abertos (ILDA) e da Rede Internacional de Justiça Aberta (RIJA)

Emilly Espildora é Pesquisadora da Rede Conhecimento Social. Bacharel em Gestão de Políticas Públicas e pesquisadora do Colab-USP. Desde 2017 atua e pesquisa sobre processos de participação social, com foco em pesquisas coletivas. Sendo jovem pesquisadora, tem se aprofundado na temática de juventudes.

Membros do Colab Participam do CODA.BR

O evento também celebrou os 10 anos de fundação da Open Knowledge Brasil, organização que já contou com a Coordenadora do Co.Lab, Gisele Craveiro, como Conselheira.

Por Alana Fagundes Valério

Aconteceu em São Paulo a 8ª Edição da Conferência Brasileira de Jornalismo de Dados e Métodos Digitais (Coda.Br), o principal evento de jornalismo de dados da América Latina. E o Co.Lab esteve presente. 

Ao longo dos dias 18 e 19 de novembro, foram realizadas diversas mesas e workshops para toda a comunidade de dados, com a participação de jornalistas, cientistas de dados, estatísticos, dentre outros profissionais que aliam dados e fatos em busca de uma sociedade mais democrática. 

O evento também celebrou os 10 anos de fundação da Open Knowledge Brasil, organização que já contou com a Coordenadora do Co.Lab, Gisele Criveiro, como Conselheira. 

Foram apresentados diversos projetos que combinam dados abertos e inovação, como o projeto Querido Diário, que contribui com a abertura de dados dos diários oficiais de várias cidades brasileiras e que contou com a participação de integrantes do Co.Lab. 

Também foram apresentados o índice de dados abertos no nível municipal, projeto da OK BR e o mapa da violência de gênero, em parceria do Gênero e Número com o Senado Federal e o Instituto Avon. 

A seguir, alguns registros do evento: 


Alana é graduada em Direito pela Toledo de Presidente Prudente (2015) e mestra em Ciência Jurídica pela UENP/PR (2018). Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política na USP/SP. Advogada e professora universitária nas áreas de Direitos Humanos e Direito Administrativo. Membro do CoLab na EACH/USP.

Como os dados abertos impactam a vida cotidiana?

“A abertura de dados é condição fundamental para o fortalecimento da democracia, pois promove a ampliação e qualificação do controle social, por meio da participação cidadã e mais acesso a informações sobre as atividades do governo e gastos públicos,  possibilitando a fiscalização das políticas públicas e a redução da corrupção

Por Carla Aragão e Gisele Craveiro – CoLAB USP

O Brasil foi escolhido para ser o país sede da próxima edição da Condatos – Conferência Regional para Dados Abertos da América Latina e Caribe e do Abrelatam – Encontro Aberto para uma Região Aberta, eventos mais renomados e antigos da América Latina sobre dados abertos.

O anúncio foi feito este mês, em Montevidéu (UY), durante a realização da 10a edição dos eventos. A delegação brasileira, formada por representantes do governo, da academia e da sociedade civil, celebrou a oportunidade de alavancar o debate no país, onde a maioria das pessoas desconhece o impacto dos dados abertos na vida cotidiana.  

A abertura de dados é condição fundamental para o fortalecimento da democracia, pois promove a ampliação e qualificação do controle social, por meio da participação cidadã e mais acesso a informações sobre as atividades do governo e gastos públicos,  possibilitando a fiscalização das políticas públicas e a redução da corrupção.

Durante a edição em Montevidéu, as autoras deste artigo integraram o painel Produção colaborativa de dados com crianças e jovens para monitoramento participativo, com apresentação de experiências de engajamento de estudantes na produção de dados sobre a qualidade da educação, da alimentação escolar e do meio ambiente.

O projeto Estudantes de Atitude foi apresentado por Diego Ramalho (CG-GO), cabendo a Marcelo Morais de Paula (CGU-PA) contar a experiência de monitoramento da merenda realizada no Pará; a exposição da iniciativa Controladoria nas Escolas (CGDF) também se alinhou à proposta de discutir dados abertos com propósito e por direitos, filosofia de ambos eventos.

Representantes da sociedade civil expuseram seus trabalhos, a exemplo do data_labe, laboratório de geração, análise e divulgação de dados do Complexo da Maré (RJ); e a Open Knowledge Brasil (OKBR), que desenvolve ferramentas cívicas.

A OKBR e a Controladoria Geral da União (CGU) vão liderar a organização dos eventos e terão que encarar agendas desafiadoras, como a expansão da participação das populações negras e indígenas e de pessoas com deficiência; além de contemplar temas como violência online, inteligência artificial e monitoramento do clima, que figuram entre os prioritários.

A agenda de dados abertos está recuperando espaço no Brasil. Em setembro, foi realizada a Semana Dados BR 2023 com debates sobre governança de dados, infraestruturas públicas digitais, entre outros, em parceria com o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) e a CGU. 

O país, no âmbito da Parceria para Governo Aberto (Open Government Partnership – OGP), está empenhado na realização do 6° Plano de Ação Nacional, desenvolvido este ano e que contou com contribuições de uma consulta pública. Temos muito trabalho pela frente.

Texto publicado no Jornal A Tarde, p. A3 – Novembro/23


Gisele Craveiro é Profa. Dra. da Universidade de São Paulo (USP). Coordenadora do CoLab (USP). Integrante do Comitê da Iniciativa Latino-Americana de Dados Abertos (ILDA) e da Rede Internacional de Justiça Aberta (RIJA)

Carla Aragão é Doutora em Educação (UFBA), Jornalista e Gestora Social. Integrante dos grupos de pesquisa GEC (UFBA) e CoLab (USP). @carla.azevedo.aragao

O dia da consciência negra como resposta ao epistemicídio

Por Alana Fagundes Valério, Colab/USP

A Lei n.º 17.746/23 foi sancionada no estado de São Paulo recentemente e estabeleceu o dia 20 de novembro como dia da consciência negra. Essa data já era comemorada na cidade de São Paulo e foi ampliada. Isso poderia ser observado como um sinal de avanço, se a experiência vivida não apontasse o inverso. 

Como já cantava Elza Soares, “a carne mais barata do mercado é a carne negra”. Seja pelas representações que reforçam estigmas, pela ausência de corpos negros nos espaços de conhecimento e deliberação, o fenômeno do racismo estrutural pode ser verificado na composição dos principais espaços públicos. 

A esse vazio pode-se atribuir alguns sentidos. Sueli Carneiro, em sua tese de doutoramento, defendida em 2005, cunhou uma expressão que parece ser apropriada para o fenômeno em questão: “epistemicídio”. O epistemicídio pode ser conceituado como o apagamento sistemático dos conhecimentos afrodiaspóricos ao longo dos últimos séculos, como forma de dominação dos corpos negros. 

Esse apagamento sistemático impacta todas as áreas do conhecimento. Os  avanços tecnológicos e digitais também são afetados, inevitavelmente. Por se tratar de um espaço hegemonicamente branco e masculino, o racismo estrutural se manifesta na composição das equipes de trabalho e nos conteúdos produzidos, por exemplo. Como afirma a prof.ª Gisele Craveiro, coordenadora do Colab, em matéria publicada na Revista Claudia 1: “Um grupo homogêneo não terá visões de mundo diferentes para incluir na plataforma, o que prejudica desde o design à experiência final do usuário”. 

Se o epistemicídio é uma prática inerente às relações de poder, e ocorre quando uma cultura se sobrepõe a outra ao ponto de apagá-la, destruí-la, é imprescindível que a presença de corpos negros ocorra em todos os espaços, inclusive nos espaços digitais, para contrapor as noções hegemônicas e universalizantes de vida e conhecimento. Considerar a intersecção da raça para compreender os avanços e retrocessos que o espaço digital produziu na coletividade pode ser um dos caminhos para combater as discriminações estruturais que a sociedade brasileira enfrenta cotidianamente.

1 – Leia mais “Como a internet reproduz machismo e racismo – e às vezes você nem percebe” disponível em: https://claudia.abril.com.br/sua-vida/algoritmo-machismo-racismo/ 

Alana é graduada em Direito pela Toledo de Presidente Prudente (2015) e mestra em Ciência Jurídica pela UENP/PR (2018). Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política na USP/SP. Advogada e professora universitária nas áreas de Direitos Humanos e Direito Administrativo. Membro do CoLab na EACH/USP.

JUDICIÁRIO NO MUNDO DIGITAL: ENTRE A DEMOCRATIZAÇÃO E AS DISCRIMINAÇÕES

Por André Augusto Salvador Bezerra, CoLab/USP

Artigo originalmente publicado na edição 277 da Revista Justiça e Cidadania sob o título Acesso à Justiça requer novas tecnologias (sem novas desigualdades).

Nas últimas décadas, a necessidade da elevação do acesso à justiça à condição de direito autônomo foi tema colocado na ordem do dia nos debates públicos. O instituto da inafastabilidade da jurisdição, definido no artigo 5º, XXXV, da vigente Constituição, é produto de tais discussões.

Sob uma análise superficial, mencionado instituto teria assegurado universalmente a mera igualdade formal para o acesso à justiça.  Haveria, então, a garantia no sentido de que, a qualquer pessoa, estaria igualitariamente aberta a porta do Judiciário, como se não existissem situações de desvantagens sobre certos grupos ou indivíduos no plano fático.

Não é assim, contudo, que a literatura acerca do acesso à justiça tem tratado o tema. A busca por uma possível igualdade material já se fazia presente no final século passado, na obra de autores como Cappelletti e Garth, que apontavam a importância da assistência jurídica às pessoas mais pobres (I). Nos últimos anos, ao recorte da classe social, se somaram outros recortes baseados em situações de desvantagem decorrentes de gênero e raça, tal como o faz Rebecca L. Sandefur (II).

Há, contudo, quem centre suas análises, não em situações de desigualdades em si consideradas, mas na observância judicial de certos princípios que também podem auxiliar na democratização do acesso à justiça. É o caso de Elena e Mercado, para quem o direito em questão requer um Judiciário aberto à prestação de contas, à participação social, à transparência e ao uso de novas tecnologias (III).

No atual processo de ampliação da informatização dos tribunais, a abertura a inovações tecnológicas, especificamente, vem recebendo notável atenção da academia e dos operadores do Direito. Em tais termos, tem-se debatido em que medida uma atividade judicial mais informatizada influi na busca pela igualdade material do acesso à justiça. O fenômeno reduz ou amplia as desvantagens de certas pessoas ou grupos?

Neste artigo, apontam-se possíveis virtudes e problemas, para o ingresso equânime ao Poder Judiciário, que podem advir a partir das inovações tecnológicas. Não há, aqui, a intenção de fornecer respostas profundas ou definitivas a uma questão tão complexa. O que se quer é mencionar certos aspectos relevantes do problema, a fim de que possam fornecer alguma luz nas discussões realizadas.  

Acesso à justiça por novas tecnologias

Inicia-se o texto lembrando que a relação entre o uso de novas tecnologias pelo Poder Judiciário e acesso à justiça foi claramente manifestada sob o advento da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), a partir do ano de 2020.

O fechamento das portas dos prédios que sediam os fóruns de todo o país, decorrentes das medidas de isolamento tidas como necessárias para o maior controle da transmissão viral, não representou o fechamento das portas do Poder Judiciário. O processo eletrônico, regulado pela Lei 11.419 de 19 de dezembro de 2006, somado à adesão dos tribunais a aplicativos para realização de audiências e reuniões remotas, possibilitaram que 25,8 milhões de processos fossem ajuizados e que 27,9 milhões de casos fossem baixados no mesmo ano, conforme revelado pelo Relatório Justiça em Números de 2021, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) (IV).

Reduzidos os níveis de contágio, as tecnologias utilizadas durante o período de isolamento não foram abandonadas. O retorno ao trabalho prevalentemente presencial não tem impedido que os próprios advogados das partes requeiram a realização de audiências e de despachos virtuais, de modo a reduzir custos com deslocamento e, portanto, a beneficiar as pessoas ou grupos dotados de menor poder aquisitivo.

Para além da melhoria da situação para os mais pobres, há também a redução dos custos para o Estado, possibilitando-o a realização do serviço judicial mais eficiente (art. 37, caput da Constituição). Nesse sentido, foi simbólica a situação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) nos meses iniciais da pandemia do novo coronavírus e da consequente ampliação do trabalho remoto: houve redução de aproximadamente 815 mil reais em relação ao mesmo período do ano anterior (2019), geradas pelo menor consumo de água, papel, combustível e energia elétrica (V).

Mas não é apenas pelo trabalho remoto que as novas tecnologias podem facilitar a efetivação do princípio do acesso à justiça. Há outras potencialidades.

Veja-se o caso da utilização da Inteligência Artificial (IA). A ampliação da informatização do Judiciário fomenta a coleta de dados decisórios por sistemas algorítmicos, via aplicação da chamada machine learning.  Esta permite que as máquinas aprendam com os dados coletados (no caso, decisões judiciais), indicando aos juízes possibilidades de deliberações.  

É intuitivo o potencial de tal função na agilização dos processos.  Em um país como o Brasil, em que há mais de 70 milhões de relações processuais em tramitação (VI), não se trata de circunstância irrelevante, na medida em que assegura reparações judiciais de direitos mais próximas da eficácia pretendida por quem sofre uma violação.

Problemas com novas tecnologias 

Tudo o que se mencionou, porém, não torna desnecessário que o debate alcance alguns dos potenciais efeitos nocivos no uso de novas tecnologias.  Novamente, o advento da IA é exemplar.

Como se viu, a indicação de possibilidades decisórias aos juízes, proporcionada pela machine learning, tem por base a coleta de dados pretéritos. Ora, se no passado, o sistema judicial foi levado a proferir decisões que, ainda que involuntariamente, legitimaram discriminações ocorrentes no plano fático, como, então, fazer a IA auxiliar na superação do problema?

Lembra-se da questão penitenciária. A segunda década deste século XXI encerrou-se com o Brasil ocupando a posição de terceira maior população carcerária do mundo, tendo mais de 66% dos presos formados por pessoas negras (pretas e pardas), situação que, em período de 15 anos mensurados, ampliou-se em 14%, contrapondo-se à redução de 19% da população aprisionada branca (VII).

Trata-se, como se vê, de sintoma do racismo estrutural que persiste no país (VIII). Essa é a situação presente e passada das penitenciárias brasileiras. Se o machine learning indica possibilidades decisórias a partir de dados pretéritos, significa dizer que a população negra continuará em desvantagem na justiça criminal?

Há ainda de se ter em mente outros problemas que não se limitam ao aspecto penitenciário, como a questão dos estereótipos, entendidos como falsas generalizações manifestadas nos mais diversos discursos em sociedade, sobre grupos minoritários como indígenas, negros e mulheres, os quais legitimam a manutenção de sua marginalização (IX). Se tais estereótipos se fazem presentes em decisões judiciais (X), os dados colhidos pelos sistemas algorítmicos e que indicarão possibilidades de atos decisórios futuros, inevitavelmente, farão repetir as mesmas generalizações?

O potencial uso discriminatório da IA é aqui primordialmente citado pela atualidade do debate (XI).  Mas há outras possibilidades lesivas no uso de novas tecnologias, decorrentes de múltiplos fatores cuja complexidade exige análise detida, como, por exemplo, as dificuldades de acesso à internet ainda enfrentadas por cerca de 30 milhões de pessoas no Brasil (XII) e que, portanto, não podem fazer uso de aplicativos utilizados pelos tribunais para audiências e despachos remotos, em completa desvantagem perante outros litigantes dotados de tais possibilidades.

Observações finais

Como toda ferramenta empregada a serviço de um bem maior, é preciso que não se deixe de questionar: para que as novas tecnologias serão empregadas?

No Brasil, onde a realidade da vida de desigualdades tanto difere da realidade das normas constitucionais que prometem o acesso igualitário à justiça, o questionamento acima colocado ganha importância primordial. Será que as inovações consistirão em nova forma de privilegiar aqueles que, por razões de classe, gênero e/ou raça, já ostentam vantagens a seu favor no campo processual? Ou o seu uso poderá reduzir essas desigualdades?

O desenvolvimento tecnológico sempre traz, consigo, céticos e entusiastas. Tal situação se repete quando se discutem novas tecnologias aplicadas ao sistema judicial. Mas qualquer que seja a posição que se adote, é imprescindível que nunca se perca de vista esses questionamentos, pois, afinal de contas, a redução das desigualdades é da essência do acesso à justiça.

I – CAPPELLETTI, Mauro; BRYANT, Garth. Acesso à justiça. Porto. Alegre, Fabris, 1988.

II – Access to Civil Justice and Race, Class, and Gender Inequality (Annual Review of Sociology Book 34). Kindle Edition.

 III – ELENA, Sandra. MERCADO, Gabriel. Justicia aberta: uma aproximación teórica. In: ELENA, Sandra (coord). Justicia aberta: aportes para uma agenda em construcción. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Ediciones SAIJ, 2018, p. 17-41.

IV – Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/09/relatorio-justica-em-numeros2021-12.pdf

 V – Dados relatados em matéria disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/STJ-tem-reducao-de-gastos-com-trabalho-remoto.aspx

 VI – Segundo Relatório Justiça em Números de 2022 do CNJ: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/09/justica-em-numeros-2022-1.pdf

 VII – FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo, 2020. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/anuario-brasileiro-seguranca-publica/.

VIII – ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Editora Jandaíra, 2020.

IX – MOREIRA, Adilson. Racismo recreativo. São Paulo: Sueli Carneiro; Editora Jandaíra, 2020, p. 59.

X – Em pesquisa acadêmica, este autor observou a presença de estereótipos incidentes contra povos indígenas em decisões judiciais: BEZERRA, André Augusto Salvador. Povos indígenas e direitos humanos: direito à multiplicidade ontológica na resistência Tupinambá. São Paulo: Editora Giostri, 2019.

 XI – “O risco de enviesamento cognitivo no uso de algoritmos é de conhecimento geral e perpassa toda a história da implementação das tecnologias a de inteligência artificial […]” (SERBETO DE FREITAS, Tiago Alves. O Uso da inteligência artificial em processos judiciais no Brasil; limites éticos. Dissertação de Mestrado, PUC/SP, 2022, p. 140).

XII – A respeito: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2022/03/21/mais-de-33-milhoes-de-brasileiros-nao-tem-acesso-a-internet-diz-pesquisa.ghtml

André Augusto Salvador Bezerra é Juiz de Direito do TJSP / Professor do Mestrado Profissional da Enfam e Membro do CoLab na EACH / USP.

CoLab participará do evento “ABRELATAM” E “CONDATOS” em Montevidéu (Uruguai)

Fonte: Site AbreLatam 2023

Amanhã, Montevidéu reunirá uma comunidade ampla e diversificada de pesquisadores, técnicos, representantes de governo e da sociedade civil que trabalham e se interessam pela promoção, pesquisa, publicação e uso de dados abertos.

Todos estarão reunidos no ABRELATAM e CONDATOS, que são os principais e mais antigos eventos da América Latina voltados à discussão do tema e formação de comunidades desde 2013, com integrantes de países de língua espanhola da América Central, Caribe e América do Sul, bem como de participantes da América do Norte e da Europa.

A organização do evento é rodiziada por diferentes países, a partir de acordos entre governos e atores da sociedade civil, sob a supervisão da Organização dos Estados Americanos (OEA-DGPE) ao CONDATOS e a Iniciativa Latino-Americana de Dados Abertos (ILDA) para a ABRELATAM, atuando como guardiões dos princípios fundamentais do evento.

🔗 Mais infos: https://2023.abrelatam.org/

#CoLabUSP #DadosAbertos #Pesquisa #ComunidadeGlobal #Inovação

Coordenadores do CoLab integram obra coletiva inédita sobre Open Justice e Hiperconectividade

Imagem/Divulgação: Thomson Reuters.

No dia 24/10/2023, foi realizado o lançamento oficial da obra coletiva “Open Justice na era da hiperconectividade”, pela Editora Thomson Reuters – Revista dos Tribunais, que conta com dois capítulos de autoria dos coordenadores do Co.Lab, os professores Gisele Craveiro, Ester Rizzi e Jorge Machado.

Juntos, os autores escreveram o capítulo “O conceito de Justiça Aberta e sua relação com as comunidades pela Reforma do Sistema de Justiça”, trabalho em que apresentam uma análise sobre a abrangência e delimitações que o conceito de Justiça Aberta tem recebido das instituições e atores engajados no tema. 

A obra também conta com o texto “Perspectivas à abertura de dados do Poder Judiciário”, de autoria da prof. Gisele Craveiro em parceria com os pesquisadores Ana Carolina Benelli e Pedro Gueiros.

Participaram do evento de lançamento as professoras Gisele Craveiro, de forma presencial e a Ester Rizzi, remotamente. A obra já está disponível e pode ser adquirida em primeira mão no site da Editora – acesse aqui. 

Confira algumas imagens do evento:

Algoritmos podem ser aliados no combate a desinformação?

Por Ítalo Alberto, COLAB/USP

As pessoas têm acessado cada vez mais mídias sociais para se informarem e tanto essas plataformas como os algoritmos embutidos nelas estão contribuindo para o aumento da desinformação. O algoritmo responsável pela distribuição de conteúdo, por exemplo, pune o engajamento de postagens que contém links externos que fazem as pessoas saírem de sua plataforma. O objetivo delas é manter as pessoas na plataforma a maior quantidade de tempo possível.

Fonte: https://stablediffusionweb.com/

O algoritmo também favorece publicações que despertam emoção intensa nas pessoas que interagem com esses tipos de publicações. Inclusive, é nesse momento que conteúdos de desinformação acabam se beneficiando desses algoritmos, pois quanto mais chocante for a notícia, mesmo que não esteja refletindo de fato a realidade, mais fortemente essa notícia vai ser beneficiada pelo algoritmo de distribuição.

Quando falamos de se beneficiar com o algoritmo, estamos ressaltando a capacidade dele de promover conteúdos, distribuindo para maiores quantidades de usuários. Isso faz com que algumas informações expressas de um jeito sejam mais visualizadas do que outras, moldando a percepção que as pessoas têm das informações.

O surgimento de IAs cada vez mais poderosas, principalmente as chamadas IAs generativas, que são aquelas que geram textos tão interessantes e convincentes que parecem terem sido escritos por humanos, podem desenvolver centenas de milhares de textos em instantes e acabam trazendo preocupações ainda maiores para uma das questões mais críticas que estamos enfrentando hoje que são os distúrbios informacionais. 

O pensador Paul Virilio constatou: “desastres aéreos só passaram a existir depois que os aviões foram criados”. Hoje com a internet e a inundação de informações que estão sendo expostas na Web, estamos chegando no equivalente a um desastre aéreo, só que se tratando da comunicação, estamos chegando a esse desastre em um nível informacional.

E da mesma forma que usamos tecnologias de ponta e bastante engenharia para lidar com todos os detalhes possíveis encontrados de forma a mitigar erros e evitar a maior parte dos desastres aéreos, temos hoje uma demanda cada vez maior de usar mecanismos tecnológicos e estudos detalhados para evitar esses potenciais “desastres informacionais”.

Ao lidar com desinformação, realizar tarefas de monitoramento de plataformas com algoritmos tendenciosos e IAs generativas com sua super capacidade de geração de textos convincentes é um caminho que acaba exigindo mais do que o uso de práticas de verificação de fatos de forma manual e individualizada, pois o conteúdo desinformacional chega em grande escala e é distribuído em um sistema de favorecimento opaco. Seguir esse modo mais artesanal para combater problemas automatizados é favorecer o caminho do desastre informacional que estamos percorrendo.

A principal questão é porque esse é um dilema complexo, pois decidir se uma informação é ou não falsa acaba sendo uma questão sensível. Dessa forma, acabamos tendo a impressão de que essa deve ser uma tarefa totalmente humana. Porém, temos visto nos últimos tempos diversos exemplos de meios tecnológicos que auxiliam em parte do trabalho massante que costumávamos ter que fazer, abrindo espaço para tratarmos de questões mais importantes que dependiam das nossas habilidades humanas.

O ponto principal do uso de algoritmos para auxiliar na detecção e análise de desinformação é lidar com uma automatização parcial, de modo que o algoritmo faça apenas parte do trabalho, a mais repetitiva e automática, que demandaria mais tempo e recurso para realizar, e o humano a outra parte, aquela mais sensível e subjetiva. 

Um exemplo disso seria a definição de uma massa de amostras que indicam se informações são falsas ou não, a criação dessa massa sinalizada seria uma atividade que especialistas teriam que executar dado o grau de subjetividade. Um algoritmo de Aprendizado de máquina utiliza massas de exemplos como forma de entrada de dados para aprender a identificar o modo que situações se diferenciam uma da outra. Uma vez treinado com essas informações, ele tem a atribuição de realizar essas tarefas em cenários futuros com as novas informações que surgirem. 

Existem diversos algoritmos disponíveis que detectam spam, eles utilizam exemplos massivos de informações que foram sinalizadas como problemáticas e conseguem a partir disso classificar novas mensagens como verídicas ou spam. O uso desse tipo de solução já foi aplicado na detecção de fake news obtendo um resultado eficiente. Porém, o problema da desinformação é que informações novas surgem a cada momento e o algoritmo precisa estar sempre aprendendo com elas para se manter atualizado e eficaz. Temos hoje o conceito de fine tuning, que são mecanismos construídos para afinar algoritmos de forma a conseguir alcançar resultados mais efetivos.

Com tantas novas publicações aparecendo, algumas podem acabar passando despercebidas por agentes humanos checadores de fatos, porém temos hoje algoritmos cada vez mais poderoso para vasculhar as plataformas de forma constante e escalável de forma a capturar possíveis publicações críticas. Um resultado já bastante útil seria a indicação de notícias com potencial de serem falsas para futura classificação humana, trazendo registros que talvez especialistas em checagem de notícias não tenham acessado ainda. 

Diante disso, vemos que o uso do algoritmo não viria como um tomador de decisão final, mas sim como um filtro que realiza uma pré-classificação cuja função é vasculhar a web para trazer tópicos de informações que podem ter maiores chances de serem consideradas falsas. Utilizar abordagens com esses graus avançados de desenvolvimento para lidar com questões críticas informacionais que estamos lidando é fazer o trabalho necessário que precisamos para evitar possíveis e potenciais “desastres informacionais” que talvez tenhamos que lidar cada vez mais nos próximos tempos. 

Fonte: https://desinformante.com.br/algoritmo-aliado-desinformacao/

Ítalo Alberto é mestre em Computação pela USP (Universidade de São Paulo) e doutorando em Ciências sociais aplicadas a Inteligência Artificial na USP. É cientista de dados na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e professor de pós graduação de Inteligência Artificial na Faculdade de Belas Artes.

Política de inclusão da USP acaba por excluir maioria dos indígenas

Por Jorge Machado, COLAB/USP

O último Censo revelou que a população indígena do Brasil é de 1,7 milhões de pessoas. Isso significa um notável crescimento em relação ao censo anterior, de 2010, quando foram registrados 896 mil indígenas1. Sujeitos historicamente à situações de discriminação e violência, a população de ancestralidade indígena foi sujeita a invisibilidade. O aumento da autodeclaração possui grande significado para o resgate da identidade indígena, conforme afirmou a Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, no lançamento do “Censo 2022 Indígenas: Primeiros resultados”, em Belém, no mês passado2.

No entanto, a Universidade de São Paulo tem entendimento particular sobre quem pode ser reconhecido como indígena. A Resolução 8434/2023 da USP exige a apresentação do Registro Administrativo de Nascimento Indígena (RANI) como prova de ser indígena. De acordo com a norma:

Artigo 3º – Para confirmação da autodeclaração do candidato indígena será exigido o Registro Administrativo de Nascimento do Índio – RANI próprio ou, na ausência deste, o RANI de um de seus genitores.

Parágrafo único – Situações excepcionais poderão ser avaliadas pelo Conselho de Inclusão e Pertencimento, que poderá admitir a confirmação da autodeclaração do candidato como indígena por meio de, cumulativamente, memorial e declaração de pertencimento étnico subscrita por caciques, tuxauas, lideranças indígenas de comunidades, associações e/ou organizações representativas dos povos indígenas das respectivas regiões, sob as penas da Lei.”

Na ausência do RANI, a USP pede um memorial e “declaração de pertencimento étnico” assinada por lideranças indígenas “sob penas da Lei”. Cabe dizer que o RANI tem a função de registrar nascimentos em aldeias distantes, onde não há hospitais e maternidades, servindo como meio de prova para Registro Civil e emissão da Certidão de Nascimento3. A maioria dos indígenas não possuem o RANI. O último dado público disponível, ainda do Censo 2010, apontou que apenas 22,7% dos indígenas (203 mil) possuíam o RANI4. Sendo assim, além do desvio de sua função, a exigência do RANI constitui um critério altamente excludente para os indígenas.

A exigência do RANI é ainda mais grave quando levamos em consideração que existem indígenas de outros países, especialmente andinos, vivendo no país. Para a USP somente há indígenas no Brasil. Apenas no Estado de São Paulo, há 360 mil estrangeiros. Destes, é estimado que 1/3 sejam bolivianos – nesse país, cerca de 88% de sua população possui origem indígena ou mestiça5. Afirmar que só brasileiros podem ser considerados indígenas é a mesma coisa que dizer que africanos não podem ser considerados pretos ou pardos.

De acordo com a FUNAI, O RANI é um documento administrativo e não confere nenhum benefício
especial ao seu possuidor, nem é garantia ou condição exclusiva de pertencimento étnico. Segundo ainda a FUNAI6, “de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, não há órgão, entidade ou instituição por si próprio que tenha o poder de atestar, declarar, certificar, validar, confirmar ou ratificar a origem de qualquer cidadão enquanto indígena.” Logo a USP não teria esse poder.

Tal entendimento é convalidado pelo Estatuto do Índio e pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, reconhecida pelo Brasil através do Decreto nº 5.051/2004. Posteriormente, outro decreto, o 10.088/2019, veio consolidar os atos normativos federais relativos a Convenção nº 169 da OIT. Este decreto estabelece em seu artigo 1º que “a consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção”.

Se a USP pretende estabelecer algum fator limitante para evitar eventuais abusos, então que exija uma autodeclaração do candidato(a) e que a mesma tenha caráter público, para fins de controle social. Não deveria fazer exigências descabidas, para além do que a FUNAI e a legislação federal estabelece.

A USP precisa rever a resolução que norteia as políticas da PRIP para que os resultados alcançados não sejam contrários aquilo que se espera alcançar, sob o risco de gerar barreiras adicionais à visibilidade e à representação de indivíduos de ancestralidade indígena.

Notas:

1https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2023/dados-do-censo-2022-revelam-que-o-brasil-tem-1-7-milhao-de-indigenas

2https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2023/08/07/censo-do-ibge-2022-as-pessoas-estao-estao-a-vontade-para-dizer-que-sao-indigenas-diz-ministra-sonia-guajajara.ghtml

3 De acordo com o “Estatuto do Índio”, Lei 6.001/73, Artigo 13, “o registro administrativo constituirá, quando couber, documento hábil para proceder ao registro civil do ato correspondente, admitido, na falta deste, como meio subsidiário de prova”. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6001.htm

4https://www.ibge.gov.br/apps/atlas_nacional/pdf/ANMS%20Indio.pdf

5https://www.cia.gov/the-world-factbook/countries/bolivia/#people-and-society

6 https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2023/funai-explica-aspectos-do-registro-administrativo-de-nascimento-de-indigena-rani