Month: agosto 2023

LAI: principais solicitantes de informação pública ao Ministério da Saúde foram jornalistas, pesquisadores e estudantes

Oito em cada dez solicitações de dados abertos feitas ao Ministério da Saúde entre 2015 e 2021 foram atendidas; As demandas são principalmente de jornalistas, pesquisadores e estudantes de universidades; Os dados mais buscados são de distribuição de verba pública para a pandemia e ações do MS no combate à Covid-19.”

Novo estudo de pesquisadores da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) e Universidade de São Paulo (USP) mostra que jornalistas, pesquisadores e estudantes de graduação, mestrado e doutorado foram os que mais fizeram solicitações por dados públicos ao Ministério da Saúde (MS) via Lei de Acesso à Informação (LAI), entre 2015 e 2021. Dentre todos os pedidos, que inclui a maioria de anônimos, 80% foram atendidos, inclusive durante a pandemia. A pesquisa está publicada na edição de quarta (19) da revista “Cadernos Gestão Pública e Cidadania”.

O estudo foi feito utilizando dados da Controladoria Geral da União (CGU), que agrega todas as solicitações via LAI, sobre os pedidos realizados entre 2015 e 2021. Depois de selecionarem somente aqueles feitos ao MS, os pesquisadores identificaram que as solicitações aumentaram durante a pandemia. O maior interesse foi por informações sobre distribuição de verba pública para contenção da Covid-19, ações do MS no combate à pandemia e dados sobre tuberculose, dengue e meningite.

Segundo Gisele Craveiro, uma das autoras do estudo, o trabalho dá sequência a outra pesquisa desenvolvida por ela e colegas, que apontou que, desde 2015, o maior interesse dos solicitantes da LAI era por dados públicos sobre saúde e educação. “Já naquela época, queríamos ajudar o governo a compreender a demanda por dados e, assim, a priorizar a disponibilização deles. Quando veio a pandemia, foi importante concentrar as análises na saúde porque essa informação era extremamente necessária para tomadas de decisão”, afirma Craveiro.

A professora também destaca que os resultados confirmaram suas hipóteses e são parcialmente positivos. Segundo ela, o fato de muitas das solicitações terem sido atendidas demonstra que a burocracia da transparência do Governo Federal não foi completamente desmontada. “É muito importante que dados abertos sobre controles de gastos, estado da evolução da pandemia, distribuição de remédios e outros temas de interesse público sejam, de fato, disponibilizados à sociedade”, reforça Craveiro. A especialista acrescenta que a solicitação por mais informações sobre “prestação de contas” já tinha sido observada em outros estudos. “Mesmo assim, as ações não cumprem todas as metas previstas no Plano de Dados Abertos do Ministério da Saúde”, pontua.

Craveiro destaca que o Brasil tem um ecossistema de consumo de dados robusto, com organizações da sociedade civil e de mídia organizados para obter os dados, organizá-los e divulgá-los para o público durante a pandemia, promovendo assim o acesso à informação de qualidade em um momento em que retrocessos da transparência e notícias fraudulentas afetavam a confiança da população na ciência. A pesquisadora afirma que, embora não tenha sido objeto de estudo, o consórcio de veículos de imprensa para obtenção de dados primários sobre a pandemia de Covid-19, criado em junho de 2020, deve ser lembrado como iniciativa exitosa.

Os autores seguem com estudos na área, dando enfoque para a abertura de dados públicos nas universidades federais brasileiras. Além disso, estão investigando se as agências governamentais financiadoras de ciência no Brasil incentivam os pesquisadores contemplados com dinheiro público a guardar e compartilhar os dados brutos das suas pesquisas.

Fonte: Agência Bori

Pesquisas sobre ecosistemas de dados governamentais abertos

As organizações públicas estão enfrentando novas demandas por parte da sociedade, que envolvem uma maior transparência e participação na gestão dos recursos públicos, além de um maior controle sobre a qualidade dos serviços oferecidos e uma maior responsabilidade dos gestores na utilização desses recurso

As organizações públicas estão enfrentando novas demandas por parte da sociedade, que envolvem uma maior transparência e participação na gestão dos recursos públicos, além de um maior controle sobre a qualidade dos serviços oferecidos e uma maior responsabilidade dos gestores na utilização desses recursos. Essas novas exigências deram origem a uma plataforma denominada governo aberto, que busca disponibilizar informações (em qualquer formato) de responsabilidade governamental.

Dentro das possibilidades criadas pelas iniciativas de governo aberto, temos a utilização de dados abertos (DA), que são informações disponibilizadas na Internet de forma que possam ser reutilizadas por terceiros. Em diversos países, desde o início do século, esses temas assumiram um papel importante nas políticas públicas. No Brasil, o governo federal tomou diversas medidas em direção a esses temas, culminando, em novembro de 2011, na lei nº. 12.527 (LAI – Lei de Acesso à Informação), que entrou em vigor em 16 de maio de 2012, regulamentando o direito constitucional de acesso dos cidadãos às informações públicas, aplicável aos três poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Diante disso, é evidente a importância de os governos (responsáveis por disponibilizar grande parte das informações em formato aberto) manterem uma ampla relação com a sociedade e conhecimento de suas necessidades e capacidades para acessar e utilizar as informações disponibilizadas. Esse fato justifica a relevância da realização de trabalhos relacionados a esse tema.

Em todo o mundo, diversos pesquisadores, especialmente acadêmicos, e organizações da sociedade civil começaram a desenvolver estudos sobre a disponibilização de informações pelos governos para a sociedade e até mesmo para outros governos.

No contexto brasileiro, a realidade não foi diferente. Nesse sentido, os professores Cláudio Sonáglio Albano e Gisele da Silva Craveiro, embora já atuassem anteriormente com o tema de dados governamentais, começaram a trabalhar juntos a partir do ano de 2014.

No segundo semestre desse ano (2014), eles realizaram uma série de entrevistas com atores da sociedade e órgãos governamentais envolvidos com orçamento público e a disponibilização desses dados em formato aberto para a sociedade. As entrevistas incluíram atores de diversos países, como Argentina, Brasil, Chile, México e Uruguai. Os resultados desse trabalho podem ser consultados em: 

Os trabalhos anteriormente mencionados têm uma forte vinculação com questões orçamentárias e exploram as possibilidades de coprodução e inovação por meio do uso dos dados disponibilizados.

Continuando a investigação sobre esse tema, porém com foco nas Universidades Públicas Federais Brasileiras, foi desenvolvida uma dissertação de mestrado no programa de pós-graduação em Administração de Empresas da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), no campus de Santana do Livramento. Os resultados dessa dissertação podem ser acessados em:

Em busca de um maior entendimento sobre o ecossistema brasileiro de dados abertos, os autores expandem suas pesquisas para outros contextos. Nesse sentido, eles desenvolveram um trabalho focado na área da saúde. Os resultados desse trabalho podem ser acessados em:

Gisele da Silva Craveiro é Doutora em Engenharia de Sistemas pela USP, Mestre pela Unicamp em Ciências da Computação. Orientadora e Professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, credenciada no Programa de Pós-graduação em Mudança Social e Participação Política, Líder do grupo de pesquisa Colaboratório de Desenvolvimento e Participação (CoLab-USP).

Claudio Sonaglio Albano é Graduado em Administração Empresas/URCAMP, 1986. Especialista em Ciências da Computação, PUC/RS – Porto Alegre, 1992. Mestre em Administração de Empresas, área Sistemas de Informação UFRGS, 2001. Doutor em Administração pela FEA\USP em 2014, com estágio sanduíche na Universidade Estadual de Nova York (EUA), no Centro Tecnologia para Governo (CTG, Albany). Atualmente é Professor na Universidade Federal do Pampa no curso de Engenharia de Produção em Bagé/RS.

INOVAÇÕES DEMOCRÁTICAS COM MEDIAÇÃO TECNOLÓGICA CÍVICA DIGITAL NO CONTEXTO ESCOLAR

É possível transformar as políticas educacionais por meio do uso de ferramentas cívicas digitais de participação social

A pesquisa intitulada “INOVAÇÕES DEMOCRÁTICAS COM MEDIAÇÃO TECNOLÓGICA CÍVICA DIGITAL NO CONTEXTO ESCOLAR”, desenvolvida pelo Doutorando Manoel dos Santos no Programa de Pós-graduação em Mudança Social e Participação Política na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, sob a orientação da Professora Drª Gisele da Silva Craveiro, focaliza a participação política com o uso de mediação tecnológica cívica digital para o monitoramento cidadão e avaliação de serviços e políticas públicas no ambiente escolar.

Esse estudo analisa como os processos de participação política em experiências de monitoramento cidadão, facilitados pelas plataformas cívicas de mediação tecnológica, contribuem para a produção, análise e uso de dados e informações na avaliação e tomada de decisão para a implementação de políticas públicas no contexto escolar. O período de análise compreende os anos de 2016 a 2021, durante o qual os casos estudados foram executados.

A pesquisa baseia-se na análise de cinco iniciativas incentivadas por órgãos de accountability burocrática, que visam produzir, analisar e utilizar dados e informações para a tomada de decisão, com o propósito de promover melhorias na execução de políticas e serviços públicos. As experiências específicas analisadas são as seguintes: 

  1. a campanha de monitoramento da merenda denominada Projeto Égua da Merenda, João!, no âmbito do Programa Nacional da Merenda Escolar, implementado em escolas estaduais pela CGU-Regional Pará, em parceria com a Secretaria de Estado da Educação do Pará e envolvendo o Movimento Pacto Estudantil pela Educação Pará (MPEPEP) e a Organização Social Belém (OSB- Belém), em Santarém, no Pará, entre 2016 e 2018;
  2. o Projeto Monitorando a Merenda, uma iniciativa do Projeto Ouvidoria Ativa do Programa Nacional da Merenda Escolar, implementado em escolas estaduais pela CGU-Regional Pará, em parceria com a Faculdade de Ciências Contábeis da Universidade Federal do Pará (UFPA), a Organização Social Belém (OSB- Belém) e a Secretaria de Estado da Educação do Pará, em Belém, Pará, entre 2016 e 2017;
  3. o Projeto Monitorando a Merenda, no âmbito do Programa Nacional da Merenda Escolar, implementado em escolas do Distrito Federal pela Controladoria Geral do Distrito Federal, com a anuência da Secretaria de Estado do Distrito Federal e a participação das escolas, do Instituto Federal de Fiscalização e Controle e do Center for Civic Media, em Brasília, entre 2016 e 2019;
  4. o Projeto Monitorando a Merenda, no âmbito do Programa Nacional da Merenda Escolar, implementado em escolas estaduais, capitaneado pela CGU-Regional Bahia, em parceria com a Secretaria da Educação do Estado da Bahia, com a Ouvidoria Vai à Escola da SEC/Ba e o Observatório Social da Despesa Pública de Jequié, entre 2018 e 2019 em Salvador, Jequié e Lauro de Freitas.
  5. o Projeto Estudantes de Atitude, é uma iniciativa desenvolvida no contexto escolar pela Controladoria Geral do Estado de Goiás (CGE-GO), em parceria com a Secretaria de Estado da Educação – SEDUC. 

Nessa etnografia do ecossistema brasileiro de participação política e cidadã, mediada por tecnologia cívica digital para o monitoramento e avaliação de serviços e políticas públicas no contexto escolar, a pesquisa aborda questões e iniciativas do mundo real, concentrando-se na melhoria dos serviços e políticas públicas nas escolas por meio da participação cidadã e da tomada de decisão baseada em dados, combinando abordagens top-down e bottom-up em configurações de arranjos socioestatais e societais.

As iniciativas de monitoramento cidadão e avaliação de serviços e políticas públicas no contexto escolar analisadas utilizam plataformas digitais como o Monitorando a Cidade e o WhatsApp nos quatro primeiros casos. Além disso, na quinta iniciativa, são empregadas diversas outras plataformas digitais, como o SurveyMonkey, Google Forms, Telegram, Whatsapp, Facebook, Instagram, Youtube e Smartsheet. Essas ferramentas tecnológicas digitais possibilitam a participação política e o empoderamento dos cidadãos nas relações e interfaces socioestatais e societais, através da coleta de dados e informações com mediação tecnológica cívica digital, permitindo identificar, compreender, colaborar, cocriar, incidir e transformar suas realidades por meio da cogovernança construída no contexto das inovações democráticas com o uso de tecnologias cívicas digitais.

De acordo com Gray (2016), dados e informações digitais devem ser usados para atender aos interesses da sociedade e dos cidadãos, por meio da “reimaginação da política de dados”, visando promover o desenvolvimento humano, o empoderamento cívico, o avanço do progresso social e o fortalecimento da democracia.

A utilização de ferramentas cívicas digitais na coleta de dados e informações possibilita a realização de “um processo coletivo que visa discutir questões críticas, obter informações para melhor compreendê-las e dialogar com atores locais para desenvolver soluções” (MARTANO et al., 2017).

Os resultados preliminares da pesquisa revelam que cada interfacemento dos mecanismos de accountability burocrática apresenta diferentes tipos e conformações de modelos e arranjos institucionais de monitoramento cidadão para a avaliação de serviços e políticas públicas. Verifica-se que, apesar do uso comum da mediação tecnológica cívica digital, em todas as iniciativas, o contexto sociopolítico contribui para a configuração de vontades políticas e de arranjos institucionais, levando a diferentes resultados.

Observa-se que a tecnologia cívica digital é um fator relevante para o engajamento dos cidadãos que adotam esse tipo de ferramenta como responsáveis pela coleta de dados, podendo fazer diferença para esse grupo social e arranjo específico, permitindo uma mudança positiva no processo de formulação e implementação de políticas e serviços públicos.

Assim, a participação política mediada por tecnologia cívica digital, nesses casos específicos, por meio da produção colaborativa de dados e informações com agilidade e relevância, contribui para aumentar a responsividade dos governos. Observa-se que os cidadãos apresentam contribuições e demandam serviços e políticas públicas de qualidade ao poder público, ativando ou interagindo com agências de accountability socioestatal e societal, exercendo o controle social, a fiscalização e a supervisão externa, em conjunto com a participação de atores da sociedade civil. A sociedade civil também exerce o controle social, articulando mecanismos e agências com poder de fiscalização e aplicação de sanções, conferindo legitimidade à participação da sociedade, sendo um ator estratégico para contribuir com a educação para a cidadania.


Para saber mais acesse o artigo intitulado “Processos de participação cidadã mediados por tecnologias digitais: um estudo sobre monitoramento participativo e avaliação de políticas públicas no contexto escolar”, publicado no 44o Encontro Anual da ANPOCS, realizado entre os dias 1 e 11 de dezembro de 2020.

Manoel dos Santos é Doutorando em Mudança Social e Participação Política pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e integrante do grupo de pesquisa Colaboratório de Desenvolvimento e Participação (CoLab-USP).

Gisele da Silva Craveiro é Doutora em Engenharia de Sistemas pela USP, Mestre pela Unicamp em Ciências da Computação. Orientadora e Professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, credenciada no Programa de Pós-graduação em Mudança Social e Participação Política, Líder do grupo de pesquisa Colaboratório de Desenvolvimento e Participação (CoLab-USP).