Internet das coisas

Visita ao Centro Watson de Internet das Coisas da IBM

Localizado em Munique, na Alemanha, o Watson Center of Internet of Things (IoT) é um dos centros de pesquisas mais importantes da IBM no mundo. Havia uma certa expectativa na visita por duas razões. A primeira era sobre a interesse da IBM no tema de governo aberto, que passa a ocupar o lugar do “démodé” governo eletrônico. A segunda era de conhecer as tecnologias usadas pela IBM para conectar e processar informações sobre equipamentos e objetos (máquinas, eletrodomésticos, veículos à rede, etc.) dentro dos conceitos de smart cities e sḿart homes.

A visita foi feita acompanhada pelos pesquisadores do TOGI (The Open Government Institute, Zeppelin Universität), parceiro do COLAB, os professores Jörn von Lucke e Markus Helfert. No Watson Center of IoT fomos recebido por Lothar Marckert, vice-presidente da IBM para o setor público, e Christoph Baron, diretor de negócios estratégicos para o setor público.

O professor Jörn von Lucke é a grande figura da academia alemã que trata do tema governo aberto, participando também como representante de entidade de classe de especialistas em informática aplicada à administração do grupo de trabalho que apoia à Open Goverment Partnership na Alemanha.

A visita acabou sendo mais longa que o esperado: durou 5 horas. Apresentamos as principais oportunidades e desafios relacionados a governo aberto, serviços eletrônicos e sua relação com cidades inteligentes. Falamos das soluções livres e abertas para cidades envolvendo dados abertos e participação cidadã, relacionando o tema das cidades inteligentes com os princípios de dados abertos e de governo aberto.

Destaquei como os princípios de governo aberto estão se difundindo a nível internacional e subnacional e que existe a necessidade da criação de modelos de negócio envolvendo cidades inteligentes que contemplem políticas de transparência, participação social e proteção de dados pessoais. Enfatizei que seria bem vindo o desenvolvimento de soluções tecnológicas livres e éticas para cidades inteligentes, muito além do foco no monitoramento e vigilância ou da coleta de informações do cidadão para o mercado de dados.

Horta com manejo automatizado a partir do uso de sensores e hardware livre. Foto: Jorge Machado

 

Com relação à segunda expectativa, foi uma grande surpresa ver que todos os protótipos de objetos inteligentes eram feitos com Raspberry Pi e Arduino. São hardwares de baixo custo, cujas especificações são abertas, permitindo novas implementações – além de grande parte do código ser disponível de forma viral com licenças livres. Para se ter uma ideia, Arduino pode ser adquirido por apenas 3 dólares pela Internet – vindo da China – e os sensores mais utilizados não custam mais que 4 reais. Os protótipos do centro da IBM IoT podem ser reproduzidos por qualquer pessoa que tenha vontade e conhecimento para usar os códigos que estão disponíveis em repositórios como o GitHub, na Internet. Ainda que trabalhem também com soluções proprietárias, o modelo de negócio principal da IBM é exatamente oferecer soluções sob demanda as seus clientes corporativos, em especial baseadas no uso do conhecimento das comunidades Linux.

Braço mecânico controlado por Raspberry Pi. Foto: Jorge Machado.

 

Nesse ponto existe uma grande polêmica. A IBM investe na contratação de desenvolvedores talentosos com liderança nas comunidades de Software Livre – por suas significativas contribuições – para oferecer suas soluções. Ao contratar os “nós” principais dessas comunidades de desenvolvimento, ela acaba arrastando toda rede de programadores daquela comunidade na direção de seu interesse. Essa mão pesada da IBM é criticada há muito tempo, mas por outro lado ela foi importante para a expansão do GNU/Linux no ambiente corporativo e à geração de renda para milhares de desenvolvedores de código aberto.

Ao ver seus protótipos de IoT em exposição desenvolvidos com tecnologias livres e abertas, fiz questão de ressaltar que essas tecnologias sendo acessíveis e facilmente replicáveis, poderiam ser usadas para desenvolver também soluções livres para cidades inteligentes e casas inteligentes – nesse último caso, permitindo que cidadão não tenha que comprar equipamentos caros que coletam dados dos usuários e envia para corporações, podendo seu usando para fins de profiling ou mesmo vigilância estatal – como já fazem SmartsTvs e boa parte dos novos eletrodomésticos “inteligentes”. Os anfitriões da IBM demonstraram certa surpresa pelos comentários – aparentemente as pessoas que visitam o centro não tem muita ideia sobre isso -, mas também bastante interesse. Por fim, destaquei a relação das tecnologias livres e abertas com ciência cidadã e ciência aberta, sugerindo uma ação da empresa nesse sentido. Após meus comentários, um dos anfitriões enfatizou que a IBM  é “agnóstica” (ou seja, tem uma postura neutra com relação ao software livre, desassociando-se dos chamados “evangelistas” do software livre – como Richard Stallman, John “Maddog”, entre outros). Fiquei pensando sobre quanto a IBM fatura a partir do trabalho voluntario de milhões de desenvolvedores e que, na verdade, a empresa não é “agnóstica”, mas “fiel” ao dinheiro. Em todo caso isso não faz a IBM melhor ou pior do que outras empresas, mas simplesmente é a lógica como a sociedade capitalista funciona…

Professores Jörn von Lucke (Zeppelin Universität), à direita, e Markus Helfert (Zeppelin U. e Dublin City University).

No balanço geral, a visita foi bastante positiva. Especialmente para nossos parceiros do TOGI. Os executivos da IBM obtiveram uma visão melhor da possibilidade de investimento e desenvolvimento de produtos na Alemanha para os governos de diferentes níveis dentro da lógica e valores de governo aberto e de tecnologias livres, na qual o TOGI pode apoiar. Da parte do COLAB, posso dizer que plantamos lá algumas sementes sobre as tecnologias, ferramentas e práticas que acreditamos ser melhores para uma sociedade que desejamos que seja mais democrática e que cada vez é mais governada por máquinas e algoritmos. Penso que a sociedade pode obter ganhos com esse tipo de aproximação. A IBM é capaz – e está sendo convencida para isso – de desenhar um modelo de negócio mais moderno, ético e aberto para o setor público. A empresa tem uma enorme capacidade de mobilização de recursos e de inteligência. Já as universidades – através de centros de pesquisas engajados com o participação social, colaboração, a transparência com base em dados, formatos, protocolos e design abertos -, podem contribuir para o desenho de melhores sistemas e políticas de informação. Pessoalmente acredito na importância de mudanças estruturais que promovam a democratização das instituições governamentais, onde a informação passe a ser um bem público, a colaboração um método e a participação um direito.