Por Alana Fagundes Valério, Colab/USP
A Lei n.º 17.746/23 foi sancionada no estado de São Paulo recentemente e estabeleceu o dia 20 de novembro como dia da consciência negra. Essa data já era comemorada na cidade de São Paulo e foi ampliada. Isso poderia ser observado como um sinal de avanço, se a experiência vivida não apontasse o inverso.
Como já cantava Elza Soares, “a carne mais barata do mercado é a carne negra”. Seja pelas representações que reforçam estigmas, pela ausência de corpos negros nos espaços de conhecimento e deliberação, o fenômeno do racismo estrutural pode ser verificado na composição dos principais espaços públicos.
A esse vazio pode-se atribuir alguns sentidos. Sueli Carneiro, em sua tese de doutoramento, defendida em 2005, cunhou uma expressão que parece ser apropriada para o fenômeno em questão: “epistemicídio”. O epistemicídio pode ser conceituado como o apagamento sistemático dos conhecimentos afrodiaspóricos ao longo dos últimos séculos, como forma de dominação dos corpos negros.
Esse apagamento sistemático impacta todas as áreas do conhecimento. Os avanços tecnológicos e digitais também são afetados, inevitavelmente. Por se tratar de um espaço hegemonicamente branco e masculino, o racismo estrutural se manifesta na composição das equipes de trabalho e nos conteúdos produzidos, por exemplo. Como afirma a prof.ª Gisele Craveiro, coordenadora do Colab, em matéria publicada na Revista Claudia 1: “Um grupo homogêneo não terá visões de mundo diferentes para incluir na plataforma, o que prejudica desde o design à experiência final do usuário”.
Se o epistemicídio é uma prática inerente às relações de poder, e ocorre quando uma cultura se sobrepõe a outra ao ponto de apagá-la, destruí-la, é imprescindível que a presença de corpos negros ocorra em todos os espaços, inclusive nos espaços digitais, para contrapor as noções hegemônicas e universalizantes de vida e conhecimento. Considerar a intersecção da raça para compreender os avanços e retrocessos que o espaço digital produziu na coletividade pode ser um dos caminhos para combater as discriminações estruturais que a sociedade brasileira enfrenta cotidianamente.
1 – Leia mais “Como a internet reproduz machismo e racismo – e às vezes você nem percebe” disponível em: https://claudia.abril.com.br/sua-vida/algoritmo-machismo-racismo/
Alana é graduada em Direito pela Toledo de Presidente Prudente (2015) e mestra em Ciência Jurídica pela UENP/PR (2018). Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política na USP/SP. Advogada e professora universitária nas áreas de Direitos Humanos e Direito Administrativo. Membro do CoLab na EACH/USP.